Falando de literatura beat na Patagônia

Falando de literatura beat na Patagônia

publicidade

Em meu livro, "Um escritor no fim do mundo – viagem com Michel Houellebecq à Patagônia", o que mais faço é falar de literatura. Vai um trecho:

*

Em determinado momento, começamos a falar da geração beat, da literatura norte-americana e do consumo de drogas. Eu flutuava ao sabor do vinho. Cláudia sorria para mim como se quisesse me proteger da queda num abismo. O rosto de Michel estava estranhamente aberto, embora os seus olhos diminuíssem aos poucos. O local já não influía diretamente sobre nós, embora permanecesse como um cenário sem o qual talvez nada nos acontecesse.

“Eu adorava Wiliam Burroughs”, eu disse.

“Eu também. Junky é um livro esplêndido”, emendou Michel, alisando a têmpora como se sofresse.

“Havia uma atmosfera pesada e radical em Burroughs que me fascinava, como se ele me provocasse a tentar atingir os meus limites. Eu chegava a ter medo a cada página. Sabe essa coisa de ser contrafóbico, Michel?”

“Eu gostava da agilidade e da força do texto dele.”

“É, muito legal. Eu já quis ser um novo Burroughs. Nunca me apaixonei realmente foi por Kerouac.”

“É bom também. Bukowski é ainda melhor.”

“Nunca esqueço da sua história sobre a garota mais bonita da cidade. O filme de Marco Ferreri, com Ornella Mutti, está grudado na minha retina. Que mulher!”

“E Ben Gazarra no papel do velho safado.”

“Talvez Bukowski seja o mais imitado atualmente.”

“No Brasil?”

“É. Tem uma geração de discípulos de Bukowski agora, mais pelo seu lado fodedor e bêbado, acho. Alguém escreveu que não gosta dos livros dele por não gostar dos seus leitores. É uma bela sacada. Os leitores de Bukowski quase sempre são malas-sem-alça, uns chatos tomadores de cerveja e metidos a grandes comedores.”

“Hummm...”

“Robbe-Grillet também é um velho safado, não? Ao menos, quero dizer, nos livros que escreve. Este último, “Um romance sentimental”, é quase escroto, um tratado de pedofilia e incesto. Claro, como sempre, com a fantasia de um homem, um sujeito, no caso, imóvel.”

“Pensei que Robbe-Grillet fosse teu amigo.”

“E é. Falei com ele por telefone ainda na semana passada. Ele ficou, faz alguns anos, mais de dez dias com a gente no Brasil, no Festival de Cinema de Gramado, a uns 100 quilômetros de Porto Alegre, um lugar que devias conhecer. É um homem elegante, divertido e muito inteligente. A mulher dele também é uma pessoa muito interessante. Sabe o que ele me contou, Michel?”

“Não. Enfim, já vou saber, não?”

“Num dos aniversários de Robbe-Grillet, há algumas décadas, ela lhe deu uma garota, parece que muito jovem e linda, para uma noite de sexo selvagem.”

“Ah, bom!”

“Agora ele está velho e sofreu uma operação cardíaca. Nos livros, porém, o apetite continua.”

“Nada mal.”

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895