FHC e Zé Dirceu: crime e castigo
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Fernando Henrique Cardoso fez duas grandes obras na vida: o livro Capitalismo e escravidão no Brasil meridional e o Plano Real. A primeira, escrita em 1962, como tese de doutorado, foi uma obra-prima de juventude que ajudou a desmontar o mito da democracia racial no Rio Grande do Sul e do bom tratamento dado por nossos antepassados gaúchos aos seus escravos. Era pau puro. Exploramos, castigamos, torturamos e matamos como as demais províncias brasileiras. A segunda, o Plano Real, feito no governo de Itamar Franco, deve ser creditada, antes de tudo, aos economistas a quem FHC soube recorrer. No confronto FHC x Dirceu, o ex-presidente ganha fácil: 2 a 0.
A grande obra da vida de Dirceu foi o mensalão petista. Nem por isso, apesar da gravidade dos seus feitos, é preciso que ele se puna lendo o tijolo de auto-louvação escrito por FHC. E é só o primeiro volume. O jovem FHC interessava-se pela senzala. O velho FHC tornou-se representante da Casa Grande. O jovem José Dirceu queria ser vanguarda do proletariado, entre os quais os bancários. O velho Zé Dirceu passou a ser correia de transmissão de banqueiros e empreiteiros financiadores de campanhas e de governos pretensamente de esquerda. Os crimes do governo FHC foram todos arquivados ou nem investigados. Dirceu achava que a “causa” sagrada dos pobres o salvaria da lei. Ferrou-se. Lê FHC na cadeia. Eu ficaria com Dostoievski, Turgueniev e Gogol. Dirceu talvez leia FHC para se chicotear o lombo e perguntar: “Onde foi que errei?”. Em tudo, ora.
Eu admiro o Fernando Henrique Cardoso de Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. Em relação a esse livro se poderia usar o título do best-seller de Umberto Eco: como se faz uma tese. FHC se queixa de que ninguém leu o seu livro. Quem mandou pedir que esquecessem tudo o que escreveu? Mas não é verdade. Pesquisadores leem esse texto incontornável. Dirceu queria ser Lenin.
Virou nota de rodapé como exemplo de burocrata corrupto que se sacrifica, mas não entrega os companheiros nem o partido. FHC pretendia ser Karl Marx ou Max Weber. Nada menos.
Converteu-se num pálido Carlos Lacerda.
Parafraseando Gilberto Freire, equilíbrio de antagonismos na melancólica história recente do Brasil: o intelectual e o militante; o teórico e prático; o condenado e o privilegiado; o perdedor e o ganhador; silêncio e verborragia; triunfo e fracasso. Literatura.
Pena dupla é ler FHC e Pedro Malan ao mesmo tempo.