Flavio Koutzii, biografia de um revolucionário
publicidade
Tarso Genro me disse não faz muito tempo numa dessas conversas em pé antes do começo do Esfera Pública: “Flávio foi um dos homens mais torturados”. Fiquei pensando nisso como quem vira e revira uma mensagem a ser decifrada. Como se resiste a uma dor assim? Como se carrega no corpo as marcas de um sofrimento desses? Como se vive depois de ter conhecido o pior da humanidade? Quando encontro meu amigo Flávio Tavares, outro que sofreu nas masmorras ditatoriais, fico me perguntando em silêncio: como ele pode ser tão leve? Eu me vergaria sob o peso do passado todos os dias. A memória é para os fortes.
Flavio Koutzii esteve preso na Argentina. Comeu o pão que os hermanos amassaram. Reconstruiu-se lentamente na França. Ao seu biógrafo, afirmou com serenidade: “Eu acho que os sentidos da vida começam e também se extinguem com as vidas que se acabam, mas que há coisas que terão valido à pena e há coisas que terão sido desastrosas. Senão, praticamente se chega à ideia de que tudo era uma ilusão, de que tudo é descartável: a dor, o sofrimento, a escolha, a tenacidade, etc. Isso é um pensamento muito forte em mim há muito tempo”. Entendo isso assim: a dor não se apaga. Há um sentido profundo em ter ousado.
Que interessa saber se a revolução sonhada por Flavio e seus amigos era justa? Injusto era e é o mundo em que vivemos. Eu penso, como sujeito reles que sou, em coisas muito simples e práticas: um amigo me falou que paga mais de quatro mil reais por mês de plano de saúde para ele e sua mulher. É o topo da aposentadoria do INSS. Que mundo é este! Envelhecer apavora. Como não admirar quem na juventude sonhou com outra coisa? E lutou. Ficaria pior? Os exemplos históricos não ajudam. A situação da maioria das pessoas no mundo de hoje também não consola. A aventura e a coragem de Koutzii são emocionantes. Há derrotas que ficam para sempre com grandes triunfos da dignidade.
Contemplo o livro volumoso sobre a mesa. Fecho os olhos e focalizo a figura simpática de Flavio junto a mim e Taline Oppitz na Rádio Guaíba. Tento imaginá-lo jovem. Não o vejo em armas. Ele se materializa para mim falando, analisando, estabelecendo conexões entre vários fatos, almejando o futuro, defendendo teses. Que havia naqueles anos, 1960, 1970, além das ditaduras com seus tanques e fuzis, que arrancava os jovens do conformismo e os expunha aos maiores perigos? A biografia de Flavio Koutzii é uma viagem total ao passado recente.