França pagará salário universal?

França pagará salário universal?

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Vou à França todo ano. Nunca faltam surpresas. Em Montpellier, sempre me pergunto: por que Porto Alegre desistiu dos bondes elétricos? A resposta é simples: por causa da modernidade. Nada faz mais mal ao Brasil do que o seu desejo de modernidade empacotada. Enquanto a Europa anda sobre trilhos, nós investimos tudo em automóveis. De Montpellier a Paris pela estrada são 749 quilômetros. No TGV (trem de grande velocidade) se faz o trajeto em três horas e quinze minutos, do centro de uma cidade ao centro da outra, lendo e escrevendo. Os modernos brasileiros, contudo, acham que a ponte área entre Rio de Janeiro e São Paulo é mais econômica e eficaz. Em frente. Desta vez, duas coisas me chamaram a atenção: a proposta de um salário universal e as máquinas de espremer laranja. Vejamos.

Benoît Hamon, candidato à presidente da República pelo Partido Socialista, propõe um salário universal a ser implantado em etapas a partir de 2018. Esse ganho poderá ser acumulado com aposentadorias e outros benefícios sociais. Seria inicialmente de 600 euros para os mais necessitados. Depois, alcançaria 750 euros e valeria para todos. O custo seria de 300 a 450 bilhões de euros. Os recursos viriam dos impostos e até de uma taxa sobre robôs, máquinas que desempregam. Economistas como Thomas Piketty garantem que é realizável e justo. A Europa pensa no pós-trabalho. Cada vez mais serão necessários menos braços para produzir o que consumimos. Se o trabalho desaparece, o consumo precisa continuar. O Estado deve ser o mediador da novidade.

Europeus ainda não desistiram do Estado e de utopias. Ainda se encantam com coisas simples. Até o ano passado, no café da manhã da maioria dos hotéis e restaurantes, o suco de laranja era de caixinha. A novidade agora, exibida como um troféu até nos bares de aeroporto, em lugar de destaque como uma televisão na sala de antigamente, é a máquina de espremer laranja. O cliente é estimulado a fazer seu próprio suco. Por toda parte, essa máquina é exibida como num altar. Entre o pós e o pré, a Europa tenta unir futuro e passado, tecnologia e natureza. A moda agora é “bio”.

Retorno ao enraizamento natural.

A direita debocha da proposta de Hamon. Mas não deixa de pensar no assunto. A grande briga na campanha eleitoral se dá em torno do papel do Estado nacional na União Europeia. A extrema direita e a extrema esquerda denunciam o desaparecimento do Estado na “Europa dos banqueiros e dos tecnocratas”. Partidos de centro procuram um equilíbrio chamado de responsabilidade social. O eleitor espera soluções. Como cidadão quer ser protegido. Não se envergonha de criticar uma sociedade do capital e dos negócios. Continua postulando que o Estado esteja a serviço das pessoas. A França fez reformas da legislação trabalhista e da previdência. Os projetos brasileiros, no entanto, deixam qualquer francês com tremedeira. As ideias de Jair Bolsonaro fariam Marine Le Pen parecer de esquerda em alguns temas.

Nada como uma máquina capaz de fazer suco natural para um homem que viaja de TGV e espera receber um salário universal de consumidor. A França continua atrasada: ainda pensa  no ser humano como medida de todas as coisas.

 

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