François Hollande e Guimarães quem?

François Hollande e Guimarães quem?

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Deu o que falar o mico pago pelo presidente francês François Hollande ao visitar o Salão do Livro de Paris cujo país homenageado era o Brasil. Ao editor que o presenteou com uma nova edição de um livro do escritor mineiro Guimarães Rosa, Hollande perguntou: “Ele vem? Ele veio”. Foi imediatamente informado da morte do autor de “Grande sertão: veredas” em 19 de novembro de 1967. Hollande é um ignorante? Um pouco. Imaginemos outro cenário: Lula não saber quem foi Marcel Proust. Seria a prova do seu analfabetismo. Os lacerdinhas diriam: “Só no Brasil mesmo!” A gafe do momento revela algo sobre a cultura de François Hollande, formado na altamente prestigiosa ENA (Escola Nacional de Administração), por onde passa toda a elite

Mais do que revelar alguma coisa sobre a ignorância de Hollande, o seu mico escancarou a falta da importância da literatura brasileira no mundo. Ninguém, salvo especialistas, sabe quem foram Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e os demais do nosso panteão. O mundo só conhece dois escritores brasileiros: Jorge Amado e Paulo Coelho. Dificilmente Hollande teria cometido uma gafe se um editor argentino tivesse lhe oferecido um livro de Borges. Se os nossos mortos ilustres continuam desconhecidos, os nossos vivos presentes tentam iludir-se com a parte que lhes cabe nessa miséria. Mesmo publicados por editoras como a Gallimard, permanecem ignorados pelos leitores. Nem algumas resenhas coniventes em jornais com gente apaixonada pelo Brasil e interessada em publicar algum livrinho por aqui melhora a situação. Se gritar pegar o escritor, sai todo mundo pelo ladrão. Resta tentar cobrar um cachê para diminuir o prejuízo.

Onde houver ilusão, eu levarei a crueza da verdade, onde houver encenação, eu levarei a realidade, onde houver autopromoção, eu levarei o outro lado. Onde houver a gravidade das cerimônias de marketing, eu levarei o humor debochado das ruas. É o papel do desconstrutor de mitos ou do frequentador de botecos onde debatem os que nada tem a perder ou a vender. O ingênuo, que desconhece o próprio ressentimento, escondido nas infinitas camadas do seu pensamento positivo de almanaque de autoajuda, chamará isso de rabugice ou de inveja. O patriota verá nisso um desprestígio para a nação.

De minha parte, rotularei isso de ironia da realidade. Uau!

Essa constatação não implica juízo de valor definitivo sobre as obras dos nossos grandes autores, embora bote pulgas em nossas orelhas. Um dos argumentos em nosso favor seria o pouco alcance do português. Como explicar, então, o sucesso, ainda que póstumo, de Fernando Pessoa, o Nobel de José Saramago, a fama de Lobo Antunes, a hegemonia do Mago, sem contar a glória eterna dos autores russos? Há muito que se inventou um instrumento eficaz de disseminação de livros escritos em línguas fora do alcance da maioria: a tradução. Temos de buscar outra explicação para o desinteresse pelos grandes do nosso passado. Quanto ao presente, a hipótese mais plausível é de uma simplicidade estonteante: são ruins. Sem diferença nem descobrimento.

Um jornalista brasileira acaba de dizer que o Salão do Livro de Paris seria o baile da Ilha Fiscal da literatura brasileira, cujo "boom" estaria com os dias contados. No twitter, Paulo Coelho questionou: "Que boom, cara pálida?"

Não seria o pum da literatura brasileira atual?

 

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