Fuja do sincerão

Fuja do sincerão

Por trás do sincerão há sempre um grosso

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    Estava lendo uma crônica sobre um tipo muito comum: o sincerão. É aquele cara mala que se permite dizer tudo o que pensa em nome da franqueza. Chega e vai avisando que não passa pano. Nas reuniões da firma, é o chato que destila inconveniências até provocar um climão. O sincerão é o grosso que se acha. Engraçado é que se tomar o troco, desaba, chora, entra em crise. Há dois tipos de sincerão: o tosco que fala por não perceber o estrago que causa; e o protegido da estrutura, que se permite atropelar os outros por ter as costas bem quentes.
    O sincerão diz tudo o que pensa por uma razão bem simples: não pensa. Há três formas de reagir ao sincerão: ficar quieto para não dar corda; responder com uma tirada genial; chutar a canela. Cada uma dessas modalidades tem vantagens e desvantagens: a primeira é bastante eficaz, mas resulta em caras sessões de terapia, em alto consumo de Rivotril e até em AVC. A segunda é a melhor, mas tem uma limitação: a resposta genial só costuma aparecer alguns meses depois do incidente. A terceira não exige inteligência nem deixa a pessoa engasgada pelo resto da vida. Depende, no entanto, do tamanho do sincerão. Aqueles que dão respostas cruéis, verdadeiros coices, são vistos como gênios.
    Uma vez, presenciei a seguinte conversa de um sincerão com uma moça aparentemente tímida e até assustada com a situação enfrentada:
– Muito ruim a sua fala – decretou o sincerão.
– Mesmo?
– Péssima.
– O que o senhor faz?
– Estou aposentado.
– Não tem como retomar a sua atividade?
– Por quê?
– Para o senhor falar de uma coisa que talvez entenda.
    O sincerão acusou o golpe. Chamou a moça de grosseira.
– A senhora precisa aprender a aceitar críticas – disse.
– Me dê o exemplo – ela respondeu.
    O sincerão adora temas como ideologia, futebol e religião. Chega, senta na janelinha e logo dispara o seu bordão predileto:
– Comigo tudo se discute.
    A partir daí não tem mais discussão. Só ele fala. Na verdade, o sincerão não fala, discursa. Não discursa, pontifica. A sua única dúvida é sobre quando passou a ter certeza de tudo o que é certo. Todo mundo conhece um sincerão ou tem um para chamar de seu. É o sujeito que num velório esculhamba o morto. Num casamento, se fizessem a pergunta sobre ter algo para dizer ou se calar para sempre, jogaria no ventilador todas as fofocas sobre os noivos. Quando lhe perguntam pela saúde, mostra os exames e resume tudo em três horas de relatório. O sincerão disserta sobre o tamanho do nariz do interlocutor, coloca apelidos nas pessoas baseado em aspectos físicos da vítima e dá a sua opinião sabendo que é a ultima coisa desejada por quem o ouve.
    Como identificar um sincerão a tempo de fugir dele. Basta prestar atenção em como inicia uma conversa. Três começos fatais:
– Não é por mal, mas...
– Como eu falo tudo na lata...
– Como não tapo sol com peneira...

 


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