Gatos e pássaros

Gatos e pássaros

Quem morre mais a cada ano?

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Só sobreviverá às transformações tecnológicas quem for curioso.

É o que dizem especialistas. Eu sou curioso. Já me sinto mais tranquilo. Darei uma prova. Gosto de acumular dados sobre todo tipo de coisa. Quando leio um livro, sublinho tudo o que me chama a atenção, especialmente o que poderá me ser útil no futuro, ainda que seja um futuro incerto. Lendo “Reviravolta” (Record), do geógrafo norte-americano Jared Diamond, professor na Califórnia, marquei interessantes dados sobre moinhos de vento, morcegos, gatos e pássaros. Qual a relação entre eles? A vida, a morte e a energia.

      Um dos inconvenientes provocados pela expansão da energia eólica nos Estados Unidos é o número de pássaros e morcegos mortos cruelmente a cada ano pelas pás dos moinhos: 45 mil. Todo ano, repito, 45 mil pássaros e morcegos perdem a vida quando se encontram com um parque eólico. Imagino o espanto do leitor com este número: 45 mil. Tem pior. É o que mostra o implacável Jared Diamond. Cada gato vadio americano mata, em média, 300 pássaros por ano. Não há dados disponíveis sobre morcegos. Gatos não se interessam por morcegos.

      O massacre dos gatos é gigantesco. Um genocídio. A população de gatos vadios dos Estados Unidos é de 100 milhões. Como gato mata 300 pássaros. O total de aves mortas alcança a impressionante cifra de 300 bilhões por ano. Estou repetindo literalmente o que está no livro. Nem sabia que havia tanto gato solto. Não imaginava que se pudesse matar 300 bilhões de pássaros anualmente sem os extinguir. Dois aspectos me chocam: a eficácia dos gatos e a maldade dos seus donos. Eles abandonam os gatos, que, sem controle, liquidam os pássaros. Esses gatos são serial-killers. Não erram uma. Fulminam.

      A conclusão do autor é que mais vale matar 45 mil pássaros e morcegos em troca de energia limpa do que continuar investindo em fontes poluentes. Os gatos, de qualquer maneira, trucidam pássaros, não indenizam a sociedade nem produzem energia. O raciocínio parece correto embora não leve em consideração que os gatos fornecem energia afetiva. Creio que a mensagem do autor é outra: sempre se terá de sacrificar alguns pássaros e morcegos pelo bem-estar da humanidade. Em outros tempos, eu concordaria sem hesitar. Hoje, questiono. O meu questionamento não tem valor moral, pois sou carnívoro. Enfim, esses dados me deixaram confuso. Já não sei onde quero chegar. Talvez em outro dado: se todos os habitantes atuais do mundo passassem a consumir como os do Primeiro Mundo, seria necessário produzir para o equivalente a 80 bilhões de pessoas. Não vai rolar. Não tem como.

      Para a humanidade se salvar e salvar o planeta será preciso consumir menos. Cada gato terá de se contentar com menos pássaros ou aprender a se interessar por morcegos. Não está fácil para ninguém. Os norte-americanos consomem o dobro de energia que os europeus. Uma ideia simples para economizar seria largar de mão essas camionetonas enormes e inúteis nas grandes cidades. Como explicar a gatos mimados e acostumados a mandar no mundo que os pássaros são finitos?


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