Grandes personagens de carne e história

Grandes personagens de carne e história

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Eu me apaixono pelos personagens que descrevo. Foi assim com Getúlio Vargas (Getúlio e 1930, águas da revolução), Leonel Brizola (Vozes da Legalidade), João Goulart (Jango, a vida e a morte no exílio), Caldeira (História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras) e agora Caldas Júnior (Correio do povo, a primeira semana de um jornal centenário). Getúlio foi um monstro político. Brizola, um vulcão. Jango, um grande ouvido. Caldeira teve a coragem de denunciar a traição aos negros em Porongos. Caldas Júnior enfrentou sua biografia para revolucionar o jornalismo do Rio Grande do Sul.

Foram todos visionários e ousados.

Há muito adotei um método de pesquisa e narração: a grande reportagem histórica. O historiador é um jornalista no passado. Uso três armas em meus livros: a curiosidade do repórter, o texto do escritor e a sistematização do historiador. Ao estudar a vida de Caldas Júnior, embasbaquei: como esse homem foi capaz de vencer as suas idiossincrasias para fazer o que fez? Como, filho de um maragato executado em Santa Catarina pelas forças republicanas, teve altivez para sufocar mágoas legítimas e criar um jornal, o Correio do Povo, independente? Eu não teria conseguido. Meus personagens me colocam no meu devido lugar. Sou pequeno.

Eu teria sucumbido aos meus rancores.

Sou adepto desse princípio existente na obra do filósofo Martin Heidegger, mas de outros também: mostrar o que se esconde por trás do que é dito. O que esconde por trás do que é dito sobre um homem? O que se esconde por trás da biografia de alguém? Caldas Júnior viveu apenas 45 anos. Por trás de tudo o que fez se exibe a paixão pelo jornalismo. Eu me encantei com esse empreendedor que inventou o jornalismo gaúcho moderno, enfrentou o racismo da sua época, fazendo do negro José Paulino Azurenha seu braço direito, e soube escrever a sua história e inscrever-se em nossa história com páginas de jornal.

Hoje, eu me sinto ligado a Getúlio, Brizola, Jango, Caldeira e Caldas Júnior. Converso com eles. Em casa. Na rua, não. Procuro não dar bandeira. Acumulo novos dados sobre eles. Nada fiz de importante na vida. Meus livros sobre esses homens e suas histórias me aliviam um pouco do peso do nada. Caldas é minha paixão mais recente. Um amigo novo que fui descobrir em 1895. Tenho dificuldades para fazer novas amizades. Falta de paciência, de tempo, de jogo de cintura. Estou velho e cheio de manias. Cada vez mais, busco amigos no passado. Gosto de pensar que poderia ter convivido com Caldas, conversado com ele num banco da Praça da Alfândega, talvez ter trabalhado com ele no jornal recém-fundado, falado de bons livros.

Caldas Júnior ajudou o Rio Grande do Sul a antecipar o século XX. Ele acreditava em jornalismo, tecnologia, informação, entretenimento e liberdade de iniciativa. Os grandes são aqueles que sufocam dores profundas para conceber o que pode ficar. É bom contar as histórias desses seres diferenciados. A gente acaba por se identificar com quem não somos nem seremos, mas vamos sempre admirar. A literatura é um método de descobrimento da história.

Revela até o que os testemunhas oculares, por excesso de proximidade, não viram.

Bons historiadores sabem mais sobre uma época do que muitos dos que nela viveram.

Paradoxos exigem mentes abertas.

O ser limitado intelectualmente tem a vantagem da sua estupidez linear e certeira sobre as veredas complexas da história com seus desvios, prolongamentos, atalhos e acasos.

Convicção pode ser apenas o outro nome da teimosia.

Grandes personagens oscilam entre o passado e o futuro.

Num eterno presente.

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Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895