Há 70 anos: Getúlio e a CLT

Há 70 anos: Getúlio e a CLT

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Vem aí o 1º de maio.

Há 70 anos, num 1º de maio, Getúlio Vargas consagrava a CLT.

Em meu livro "1930, águas da revolução" (Record), no capítulo 13, evoquei essa que foi uma das maiores façanhas do revolucionário gaúcho.

*

13



Ele não vem mesmo – exclama Getúlio.

O presidente do Brasil volta a folhear o Acuso. Tem um sorriso cínico nos lábios. Faz aquilo com uma atitude simultaneamente de impaciência e de galhofa. Busca uma página inicial, extraída de A Jornada liberal, em que o mineiro Antônio Carlos elogia João Neves da Fontoura.

"No meio político, ninguém acreditava na luta da situação gaúcha com o Catete. Para ela, porém, antes de tudo, colaborou, na hora certa e exata, a visão do dr. João Neves. Aqueles que, do palanque erguido após a revolução pelos críticos da obra feita, demolidores de homens e iconoclastas de serviço, olharem esse passado, ficarão longe de avaliar os excessos de habilidade, o vigor de ânimo e a força de convicções patrióticas que João Neves teve de exercitar para conseguir tal triunfo – gérmen inicial da grande transformação política operada no país".

Getúlio ri.

João Neves, pensa Vargas, é uma mistura perigosa de convicções e de teimosia. A sua grande vaidade consiste na convicção teimosa de estar acima de qualquer vaidade. Coleciona, no entanto, declarações pomposas sobre seus feitos. Antônio Carlos, rebocado ao longo da revolução, aparece como fiador das virtudes dos outros. Que tal?

Aborrecido com o atraso do amigo, Getúlio não se impede de recorrer a uma imagem desgastada: João Neves só vê a metade vazia do copo.

Tem vocação para Cassandra.

A revolução já mudou o Brasil, congratula-se Getúlio, embora ainda falte muito, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho, que só virá à luz em 1º de maio de 1943, com o decreto-lei 5452, assinado no Estádio São Januário lotado. Em 1954, antes do tiro no coração que o fará sair da história para virar mito, Getúlio se orgulhará de ser visto como o introdutor do sufrágio universal no Brasil, do voto feminino, antes mesmo de um país milenar como a França, dos direitos dos trabalhadores, do salário mínimo, da industrialização do país, da jornada de trabalho de oito horas, das férias pagas aos trabalhadores, do fim da monocultura do café, do ocaso dos oligarcas, da descoberta e da nacionalização do petróleo, da Petrobrás, dos sindicatos, dos sábados livres, dos salários iguais sem consideração de sexo...

Agora, enquanto espera João Neves, parte disso tudo já está feita. A revolução trouxe a Universidade do Brasil, o Ministério da Educação e Saúde e uma Constituição, a de 1934, que estabilizou a nação.

Nada disso convence João Neves.

A revolução o ultrapassou, pensa Getúlio.

Pobre, João, continua Getúlio, tão visionário e tão cego. Só queria que o Rio Grande do Sul compartilhasse o poder com São Paulo e Minas Gerais. Não podia imaginar que a revolução poria fim a esses arranjos todos.

No manifesto à nação, lido na Câmara dos Deputados, em 14 de maio de 1932, e publicado, sob o título de “A Revolução e o regime legal”, em A Nova política do Brasil, Getúlio Vargas responderá aos seus críticos, entre os quais o mesmo João Neves a quem agora espera:

"Ainda não chegou o momento dos juízos definitivos sobre a revolução, no seu determinismo, no seu desdobramento, no seu impressionante desfecho. A história aguardará do tempo, para o seu veredictum, que seja encerrado o vasto e completo inquérito desta fase da vida nacional, agitada tanto pelos ideais quanto pelas paixões. As sentenças decisivas acerca de homens, de ações, de corporações, de partidos, de acontecimentos, de resultados espirituais e materiais de toda ordem, verificados no cenário brasileiro do presente, serão formulados por uma crítica futura e sobranceira a personalidades, exclusivismos, preferências ou preconceitos de zona, de classe, de partido, de seitas. É cedo, ainda, para ser feita a história da revolução e das causas que a determinaram. De mim, direi que, quando, antes os atropelos e desmandos do governo deposto, a revolução se impôs como única solução digna para o país, sempre me recusei a lançar meu Estado, de cujos destinos me incumbia a defesa, num movimento isolado, sem o apoio e a solidariedade das outras circunscrições federativas".

Tivera, portanto, de frear, algumas vezes, os arroubos de Osvaldo Aranha e de João Neves. A revolução, escreverá ele, não poderia ser, e não foi, “nem militarista nem civilista”, mas “nacional, brasileira”.

Passados 80 anos, o julgamento se impõe.

Esquerda e direita julgarão bem a revolução.

Getúlio não terá a mesma sorte.

Será muito ditador para a esquerda.

Será pouco ditador para a direita.

A revolução, escreverá Getúlio, “produziu mutações radicais na mentalidade do povo brasileiro e ampliou seus horizontes, pela consciência que lhe deu o próprio valor e pela confiança na força que concentra para impor sua vontade”. É isso que importa: essa mutação radical.

Poderá João Neves compreendê-la um dia?

Poderá João Neves compreender o discurso cristalino e contundente feito por ele, Vargas, chamado pelo amigo de ditador, pronunciado em 29 de outubro de 1932, “As Classes trabalhadoras e o governo da revolução”, destacando as ações do Ministério do Trabalho?

"As leis esboçadas, discutidas, projetadas ou já em execução nesse ministério, derivam todas desse pensamento superior e constituem um ideal em marcha, que nenhuma resistência poderá conter. A organização sindical, a lei de férias, a limitação das horas de trabalho, o salário mínimo, as comissões de conciliação, as caixas de pensões, o seguro social, as leis de proteção às mulheres e aos menores realizam velhas aspirações proletárias de solução inevitável".

*

O tempo do veredicto sobre a revolução já chegou.

Ela mudou o Brasil para sempre.

Não mudou tudo.

Os trabalhadores rurais ficaram de fora.

Jango lutou por eles.

As trabalhadoras domésticas só agora começam a vislumbrar um pleno ingresso na CLT. A revolução talvez se complete quando fizer cem anos.

 

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