Imagens e relatos da Legalidade

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LEMBRANÇAS DO TEMPO DO QUARTEL
Legalidade.
Era 25 de agosto. Dia do soldado, estávamos de volta da marcha que fizemos até o centro da cidade , Caxias do Sul estava debaixo de um baita temporal. Já no regresso o comandante, Tem.Cel. Alberto Remelinger Maris Pinto, estava nos esperando no pátio defronte ao nosso alojamento, da 1ª. Bateria do 3 Grupo de Canhões Automáticos Anti Aéreos 40 mm.- Ele discursava –“ Muito bem meus filhos, vocês foram muito bons, marcharam como verdadeiros soldados, estou orgulhoso de vocês.” - Enquanto falava, os sargentos serviam para todos nós um pouco de cachaça. Continuava o discurso: - “Para evitar que vocês fiquem doentes ou peguem uma pneumonia liberamos um pouco de cachaça , é para beber apenas alguns goles e somente agora.”- A partir daquela tarde, logo após a marcha que fizemos para comemorarmos o Dia do Soldado ficamos em prontidão, o Presidente da Republica, Jânio Quadros, tinha renunciado.
Éramos recrutas ainda, pois tínhamos sentado praça a menos de dois meses. Até então as instruções eram as normais: marchar, ginástica, esportes, aprender cantar os hinos, boas maneiras, exercícios com o armamento leve, montar, desmontar e limpar o mosquetão, etc. Após 25 de agosto, dia que entramos em prontidão, foi formado, as pressas, os grupos de combate, os soldados que compunham cada peça, que era um canhão, Os exercícios passaram a ser diuturnamente , quase sem parar, pois até essa data nos não tínhamos sido apresentados para os canhões e metralhadoras p.50.
O Brasil estava em revolução, o Terceiro Exercito estava ao lado da legalidade, o governador do estado era um dos lideres legalistas, No centro do país, a maioria dos seus exércitos estavam do outro lado, não queriam deixar o gaúcho João Goulart assumir a presidência do Brasil, era o vice-presidente eleito pelo povo.
Entre uma ou outra instrução ou um ou outro instrutor, sargento ou oficial, a tónica das conversas era que estávamos em prontidão e que deveríamos estar prontos para qualquer ação, mas que de maneira nenhuma teríamos que ir a Porto Alegre para defender a cidade de um ataque aéreo. Seguidamente vinha boatos de deslocamento do grupo, e os nervos já estavam a flor da pele .
Não lembro em que dia foi, mas fui liberado por duas horas para ir até em casa buscar algumas roupas e despedir-me de meus familiares. Voltei para o quartel, ficamos trabalhando no canhão até quase ao anoitecer. O canhão e o caminhão estavam prontos para a viagem a Porto Alegre, saímos das garagens e fomos diretos para o rancho.
O salão de refeições estava lotado, entramos em fila indiana, nos sentamos todos juntos em volta de uma mesa recém desocupada, eu e o Mércio, meu vizinho e amigo de infância e os demais colegas de peça. Nesta noite ficamos conhecendo o capelão do quartel, era o padre Giordani, o pároco da Igreja de São Pelegrino; Num tão de sermão bem solene a voz embargada de pena, o padre dizia: -“ Tenham fé, não esqueçam de rezar “ – e ia caminhando entre as mesas e entregavam para cada soldado um escapulário, e lembrava dos soldados brasileiros que morreram na Itália, na segunda guerra, mas eram heróis. Neste clima o Mércio e eu nos olhamos e começamos a chorar e todos nós choramos, em seguida vem o sargentão, chefe da nossa peça, nos dá um duro, gritando conosco –“ Vamos lá. Comam duma vez, rápido ! – já vamos embarcar, peguem suas mochilas, mosquetão e mexem-se !!!
Viajamos a noite toda, o comboio não foi pela BR 116, como seria a lógica, resolveram ir por outra estrada, era estratégia militar. Dormi durante quase toda a viagem, graças a Deus. Acordei quando já estávamos chegando no centro de Porto Alegre.
Perto dos quartéis, junto ao porto, vários tanques enfilerados, estavam estacionados com os soldados em cima, que ficaram olhando para nos e nosso armamento, com cara de desdém.
O nosso canhão ficou postado, no fim do porto, bem na curva antes do gazometro, na beira do cais.Usamos o armazém para o acantonamento. Os outros canhões ficaram, mais alguns no cais do porto e outros na praia de belas e um no Parque da Redenção. Passaram mais ou menos 7 dias, veio a ordem de abandonar o posto e iríamos voltar para casa, mas quando estávamos pronto para a viagem de volta, uma contra ordem mudou tudo. Voltamos a guarnecer a cidade, fomos para um novo posto, era na praia de belas, bem no aterro recém terminado, quase defronte a Igreja do Pão dos Pobres, hoje tem uma praça, defronte ao prédio DAER. Ali ficamos acampados em barracas, usávamos as instalações sanitárias e chuveiros de uma cancha de futebol de salão que tinha na época.
Tivemos que colocar cordas para isolar o canhão das pessoas que
queriam ver e não podiam chegar perto pois não era uma exposição e sim uma revolução.
O nosso sargento era pior do que caxias, era louco, numa ocasião em que um avião B-25 sobrevoava Porto Alegre e jogavam folhetos que dizia: ‘SOLDADOS DO TERCEIRO EXERCITO VOLTEM PARA SUAS CASAS O MINISTERIO DA GUERRA ESTA DISPENSANDO... etc..” –O sargento lendo este folheto, mandou os soldados a guarnecer o canhão, pegou a metralhadora do motorista e disse para nos: -“ Aquele que der um passo daqui eu taco fogo e em seguida manda o telefonista ligar para o comandante da nossa Bateria e falou que estava sobrevoando, um avião B-25, jogando folhetos, posso atirar ! – Imagino que o nosso comandante do outro lado do telefone deve ter dito: -“ Tu ta louco sargento, calma homem. Ta querendo começar uma guerra ! Não faça nada sem a minha ordem. Desligo.”-
Estávamos acompanhado aquele avião, meio lento, na mira, seria nossos primeiros tiros de canhão. Não sei não ! acho que acertaríamos o alvo.
Os primeiros dias foram de apreensão e medo, mas logo em seguida fomos nos acostumando, nas horas de folga podíamos passear no centro da cidade e logo já estávamos com comportamento de veteranos, namoramos , passeamos, íamos ao cinema.
Nessa guerrinha os soldados que levaram vantagem, foram os que tinha as metralhadoras P.50, foram postados todos nos edifícios mais altos do centro da cidade, a maioria dos soldados passaram muito bem, com casa, comida e apoio moral.
O comando e infra-estrutura do nosso batalhão se situava nos quartéis perto do porto e o nosso posto era o mais longe de todos. A comida vinha de lá e iam distribuindo nos postos e o nosso era o último a receber, quando chegava, as vezes a comida estava fria, cigarros que distribuíam sobrava só os mata-ratos. A vizinhança de Praia de Belas, sensíveis e penalizados, muitas vezes salvaram o rancho nos agraciavam com presentes, ganhávamos leite, bolos, cucas, pão e frutas.
Angariamos a simpatia do povo da cidade de Porto Alegre, estávamos ali para protegê-los, com os nossos canhões e os soldados do 3 Grupo de Canhões Automáticos Ante Aéreos 40 mm. de Caxias do Sul. Com orgulho e honra dei minha humilde participação na HISTÓRICA LEGALIDADE DE 1961.-
Soldado Rasia, n. 238 – F. Radio Operador
Na 7ª. Peça Remoniciador

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