Impaciência em tempos temíveis

Impaciência em tempos temíveis

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Que esperar?

Já esperamos o paraíso na terra. Já esperamos o mundo perfeito, a emancipação, a redenção, a igualdade, a justiça e a utopia. Já esperamos que a ciência nos libertasse da ignorância e da superstição. Já esperamos o melhor dos mundos graças ao trabalho do progresso tecnológico. Já esperamos a paz, o entendimento entre os homens e entre os povos. Já esperamos que os homens depusessem suas armas e se juntassem para viver em colaboração. Já esperamos transformar o mundo pela educação, o cultivo do espírito, a formação das mentes. Esperamos muito, colhemos bastante, mas não o suficiente. O que podemos esperar?

Edgar Morin, aos 96 anos de idade, acaba de publicar, junto com o especialista em islamismo Tariq Ramadan, o livro “A urgência e o essencial”. Um dos pontos essenciais da obra é a educação, que precisa ser repensada sem perda de tempo. A educação não pode ser planejada prioritariamente para instrumentalizar e levar ao sucesso, mas para promover a noção de solidariedade. É urgente alterar o modelo. Nada mais atrasado, antimoderno e primitivo que a ideia de uma educação exclusivamente conteudista e voltada para a competição entre as pessoas. Essa concepção tem outro nome, que volta e meia escapa da boca dos seus defensores como uma confissão vergonhosa: treinamento.

O que podemos esperar? Uma sociedade de competidores implacáveis ou de colaboradores determinados? A competição é importante. A cooperação ainda mais. O que podemos esperar quando verbas da ciência e da educação são cortadas como se fossem erva daninha? A ciência exige paciência. Não se obtém resultados com imediatismo. Demos um salto: o que podemos esperar num mundo que hipervaloriza a mercadoria, a aparência, o sucesso, a concorrência, o resultado? Educar é muito mais do que competir com o google e abarrotar a memória de cada um com dados aleatórios e pretensamente objetivos. Educar é ajudar a pensar, a desenvolver a criatividade, a ter consciência do mundo em que se está imerso. Ensinar que o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses é opção ideológica. Educar para o essencial é a nossa maior urgência.

O que podemos esperar da sociedade, dos governos, de nós mesmos? A sociedade parece anestesiada ou em parte convertida ao culto do resultado imediato. Os governos só pensam nos seus interesses e nos interesses dos seus apoiadores. Não possuem visão de conjunto. E nós? Quantas vezes nos sentimos impotentes? A nossa maior arma numa democracia, o voto, nem sempre nos parece um instrumento poderoso. Esquecemos em quem votamos. Para podermos esperar algo melhor, precisamos ter a força de fazer algo melhor. O melhor dos mundos não existe. Um mundo melhor é uma dolorosa construção. Como sair do círculo? O mistério do ser humano é que ele pode sair. Pode aprender.

Já esperamos a salvação pelas mãos dos outros. Já esperamos que nos indicassem o caminho. Já esperamos que nos iluminassem com uma lanterna mágica. Já esperamos que nos conduzissem pela mão ao porto seguro. O que podemos ainda esperar? Que seja possível ao mesmo tempo andar pelas próprias pernas e dar as mãos tendo consciência do gesto.

O que esperar num país em que o governo sem votos radicaliza sua "moderação"?

O que esperar de um governo que isenta petroleiras estrangeiras e esgoela seus trabalhadores?

O que esperar de políticos que mentem, sofismam e distorcem?

A questão é mais complicada?

Ou o texto é obscuro ou os seus intérpretes são confusos?

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