Intervenções em estado bruto

Intervenções em estado bruto

Prosa, poesia e ansiolítico

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    As mínimas do Máximo podem ser usadas em agendas, especialmente nas agendas virtuais de quem não tem compromissos urgentes. Conforme a sabedoria Mantu, uma cultura que se perdeu no tempo, tempo é pensamento.
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Em qualquer país onde o presidente mentisse em público, só a Constituição, coitada, ainda poderia dizer a verdade. Quem a ouviria?
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    Se o universo não existisse, seria preciso não inventá-lo. Tarde demais, Mark Zuckerberg já tem a sua Meta. O Facebook estava pequeno.
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Schopenhauer teria aprendido muito com o Brasil. Segundo ele, “o destino baralha as cartas, e nós jogamos”. Pode ser que fosse assim na Europa. Aqui, faz-se uma rachadinha e saem as cartas desejadas. O baralho espera. O destino cobra propina de quem quiser jogar de mão.
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Karl Kraus era otimista do seu jeito: “O mal nunca prospera melhor do que quando lhe põem um ideal à frente”. Na hipermodernidade, o mal nunca prospera melhor do que quando lhe põem uma eleição atrás.
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    Tolstoi fez refletir, em “Guerra e paz”, antes de os jovens generais russos e austríacos jogarem-se na derrota de Austerlitz: “A gente muito moça gosta de fugir às notas batidas, prefere exprimir seus sentimentos de maneira sua própria e que não lembre as coisas convencionadas, e por vezes hipócritas, da gente mais velha”. Máximo discorda por razões que não faz a mínima de explicar. Para ele, não há conflito de gerações, nem Napoleão à espreita, pois a gente mais nova conhece demais a vida para perder tempo com as inexperiências dos velhos, esses seres que, além de tudo, padecem de falta de memória.
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    A velhice é uma invenção recente fadada ao desparecimento.
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    A juventude é a eternidade entre alguns aniversários.
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Calendário

Quinta-feira de poeira e bronze,
Um carro passa lento e solene,
Tenho árvores no pensamento,
Heras me sobem pelas pernas.

Sinto gosto de café e sol,
Talvez seja a fotossíntese,
Salvo se for a tua ausência,
Estes anos sem sal e menta.

Quinta-feira de chuva,
Água que não se lamenta,
Uma foto na parede lua,
Lembrança da nossa rua.

Pode ser que eu volte,
Com morangos e cáquis,
Não estranha o sotaque,
Estive em outro planeta.

Arranco folhas do corpo,
Aquilo que idade não poda
Cresce como semente nova
Até que exale o jasmim.

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Robbe-Grillet

“A carne das frases sempre ocupou, sem dúvida, um grande espaço no meu trabalho. Mesmo se não estou na minha mesa, suas figuras movediças não cessam de me perseguir. Repito palavras, ritmos, experimento sonoridades, organizo ecos e rupturas. Faz parte de mim como os movimentos repetidos à exaustão, previsíveis, incessantemente imprevistos, da água profunda que enlaça, bate, submerge, desnuda de um golpe até os pés, depois acaricia com doçura as rochas de granito rosa, inundadas, polidas pelos turbilhões bordados com franjas de espuma.
    Essa incansável atividade, pela qual as mãos pacientes esposam com lentidão a própria matéria da linguagem, ao mesmo tempo firme e fluida, sua prosódia, sua textura, apresenta claramente um caráter antes de tudo sensual. Mas o sentido exato e ambíguo das palavras, que também me preocupa, vai desenvolver por sua vez um novo campo de tonalidades, de dissonâncias, de harmonias longínquas, de recordações teimosas, isto é, toda uma música, a da voz do homem com registros inumeráveis, a do prazer agudo e grave, a do mar que bate contra o duro solo antigo da Bretanha” [“Os últimos dias de Corinto”].
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Hoje, 17h, no Facebook da Lives entre Livros, falaremos de duas obras-primas de Mario Vargas Llosa: “Conversa na catedral” e “A festa do bode”.
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Parabéns para a maravilhosa Taline Oppitz pelo título de Cidadã Emérita de Porto Alegre.
    

 


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