Inventário da crise em livro
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O lado mais fraco sempre cede. É a força das estruturas. O centro sempre se impõe. Não controlo meu complexo de cusco. “Mil dias de tormenta” reúne os textos jornalísticos de Bernardo Mello Franco sobre os (des)caminhos que levaram à queda de Dilma e à ascensão do seu vice decorativo e conspirativo ao trono presidencial onde se consagraria como o mais impopular presidente da história do Brasil. O leitor vê passo a passo a tragédia se consumar. Só os mais empedernidos e os mais ingênuos continuam a negar que tenha havido uma trama bem urdida para gerar o pretexto necessário ao desfecho desejado. Michel Temer saiu das sombras para projetar obscuridade. Alguém ainda lembra dele? Vai terminar com o pior desenvolvimento econômicos em cem anos.
Faltam ao livro de Bernardo Mello Franco dois momentos de ousadia: dizer se foi golpe ou impeachment; amarrar tudo com um ensaio analítico capaz de dar sentido e interpretação retrospectiva à massa de textos feitos sem a visão do conjunto. As coisas ficam, no máximo, sugeridas. Em 27 de abril de 2016, Mello Franco escreveu: “Enquanto o impeachment corre como uma lebre, o processo contra Eduardo Cunha caminha a passos de tartaruga”. Por que o STF deixou que fosse assim? Por que o processo contra Eduardo Cunha só virou lebre depois do impeachment? O STF foi cúmplice na derrubada de Dilma Rousseff?
Apesar da falta de costura e de atrevimento analítico, o livro de Bernardo Mello Franco traz implícita uma conclusão sociológica: o Brasil é o país dos oportunistas, não das oportunidades, de saltimbancos, não de construtores de futuro. Deve-se desconfiar de cada aliado, especialmente de quem pode se beneficiar de uma queda provocada por um empurrão conveniente. Vice não é amigo. Melhor mantê-lo ocupado. Esse pode ter sido o problema. Dilma deixou Temer ocioso. Como se sabe, a falta do que fazer é má conselheira.
A coletânea fecha com uma hesitante mescla de análise e prognóstico no pretérito imperfeito do indicativo sobre as eleições que acontecerão em 2018: “Com o impedimento de Lula, o favoritismo caía no colo do deputado Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército com ideias de extrema direita e saudades da ditadura militar. Veteranos de outras disputas presidenciais, como Marina Silva, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, sofriam para mobilizar eleitores desiludidos com a política”. Há 40 dias do pleito, Lula, preso em Curitiba, liderava as pesquisas. Ah, isso não foi dito. Era arriscado e enigmático demais. O TSE clareou as coisas. Tirou Lula da corrida. O Brasil é um país original: assina pactos internacionais que não cumpre sob a alegação que não internamente valor de lei; o trânsito em julgado dá-se antes da decisão final; sub judice termina antes de examinados os recursos.
Jabuticabas?