Inventário da crise em livro

Inventário da crise em livro

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Recebi o livro do jornalista Bernardo Mello Franco, “Mil dias de tormenta – a crise que derrubou Dilma e deixou Temer por um fio” (Objetiva). Ele foi colunista da Folha de S. Paulo e hoje escreve para o jornal O Globo. Gosto dele. Tem um estilo límpido e equilibrado. Em meio a tantos ensandecidos ideologicamente, ele me parece o melhor. Isso não me impede de dizer que esse pessoal da mídia de Rio de Janeiro e São Paulo é engraçado. Quando nós, da periferia, publicamos um livro, mesmo por grandes editoras nacionais, eles ignoram. Não perdem tempo com escribas menores. Quando eles, porém, se aventuram em volumes com capa, ficha catalográfica e sumário, lembram-se de nós. Faz parte do jogo. Achamos que a cultura de irradia de centro para a periferia.

O lado mais fraco sempre cede. É a força das estruturas. O centro sempre se impõe. Não controlo meu complexo de cusco. “Mil dias de tormenta” reúne os textos jornalísticos de Bernardo Mello Franco sobre os (des)caminhos que levaram à queda de Dilma e à ascensão do seu vice decorativo e conspirativo ao trono presidencial onde se consagraria como o mais impopular presidente da história do Brasil. O leitor vê passo a passo a tragédia se consumar. Só os mais empedernidos e os mais ingênuos continuam a negar que tenha havido uma trama bem urdida para gerar o pretexto necessário ao desfecho desejado. Michel Temer saiu das sombras para projetar obscuridade. Alguém ainda lembra dele? Vai terminar com o pior desenvolvimento econômicos em cem anos.

Faltam ao livro de Bernardo Mello Franco dois momentos de ousadia: dizer se foi golpe ou impeachment; amarrar tudo com um ensaio analítico capaz de dar sentido e interpretação retrospectiva à massa de textos feitos sem a visão do conjunto. As coisas ficam, no máximo, sugeridas. Em 27 de abril de 2016, Mello Franco escreveu: “Enquanto o impeachment corre como uma lebre, o processo contra Eduardo Cunha caminha a passos de tartaruga”. Por que o STF deixou que fosse assim? Por que o processo contra Eduardo Cunha só virou lebre depois do impeachment? O STF foi cúmplice na derrubada de Dilma Rousseff?

Apesar da falta de costura e de atrevimento analítico, o livro de Bernardo Mello Franco traz implícita uma conclusão sociológica: o Brasil é o país dos oportunistas, não das oportunidades, de saltimbancos, não de construtores de futuro. Deve-se desconfiar de cada aliado, especialmente de quem pode se beneficiar de uma queda provocada por um empurrão conveniente. Vice não é amigo. Melhor mantê-lo ocupado. Esse pode ter sido o problema. Dilma deixou Temer ocioso. Como se sabe, a falta do que fazer é má conselheira.

A coletânea fecha com uma hesitante mescla de análise e prognóstico no pretérito imperfeito do indicativo sobre as eleições que acontecerão em 2018: “Com o impedimento de Lula, o favoritismo caía no colo do deputado Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército com ideias de extrema direita e saudades da ditadura militar. Veteranos de outras disputas presidenciais, como Marina Silva, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, sofriam para mobilizar eleitores desiludidos com a política”. Há 40 dias do pleito, Lula, preso em Curitiba, liderava as pesquisas. Ah, isso não foi dito. Era arriscado e enigmático demais. O TSE clareou as coisas. Tirou Lula da corrida. O Brasil é um país original: assina pactos internacionais que não cumpre sob a alegação que não internamente valor de lei; o trânsito em julgado dá-se antes da decisão final; sub judice termina antes de examinados os recursos.

Jabuticabas?

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