Israel, o estado da compensação

Israel, o estado da compensação

publicidade





Agora a Palestina é um “Estado observador” na ONU. Israel anunciou imediatamente retaliações. Autorizou a construção de novas casas na Cisjordânia. A ocupação será ampliada. A colonização continua. Israel é o povo da compensação. O abominável cometido pelos nazistas obrigou a comunidade internacional a dar um Estado para os judeus num lugar em que seus antepassados teriam vivido. É um dos raros casos de compensação por perdas de dois mil anos atrás. Uma compensação justa. Mas às custas de quem? Se essa lógica fosse aplicada a todos, não sobraria país inteiro. Como dois corpos não cabem no mesmo lugar, foi preciso remover um. Essa remoção ainda não foi assimilada. Um judeu brasileiro, supostamente descendente de um judeu tendo vivido há vinte séculos no atual território de Israel, pode ir viver lá. Um palestino tendo vivido lá em 1945, sendo um “refugiado”, não tem o mesmo direito. Nem o seu filho. Nem o seu neto. Israel sofre com o não reconhecimento do Estado judeu por certos países e movimentos “radicais”, mas, por seu turno, apesar de dizer o contrário, continua não reconhecendo de fato um Estado palestino, salvo sob certas condições.

Seguem vários artigos que escrevi sobre isso nos últimos anos. O problema continua o mesmo. Pouca coisa mudou. Não alterei os textos. O essencial continua igual.

Os fundamentos são duvidosos.

Só o bom senso poderá criar uma solução.

O bom senso é um artigo em falta.



 

Dívidas do passado



Essa história poderia ser contada assim. Era uma vez dois povos errantes, hebreus e filisteus, que chegaram mais ou menos na mesma época ao mesmo lugar. Entraram em guerra. Os hebreus venceram. Ao longo do tempo, no entanto, foram invadidos, dominados, deportados e dispersados. É muito provável que os filisteus fossem de Creta,  sendo um dos chamados “povos do mar”. Viveram em Gaza. Desapareceram depois do cativeiro na Babilônia.  Entre 1517 e 1917 os turcos otomanos mandaram no pedaço e havia poucos judeus por lá. A comissão King-Crane, designada pelos Estados Unidos em 1919 para tratar da questão do Oriente, constata que “a população não-judia da Palestina constitui noventa por cento da população”.

Desde o final do século XIX, porém, com o surgimento do movimento sionista, cresce a imigração judaica para a região à base de compra de terras. Em 1947, o plano de partilha do território entre judeus e palestinos previa 50% para cada lado, embora os judeus fossem 1/3 da população e detivessem apenas 6% das terras, cabendo-lhes praticamente toda a faixa litorânea. Os judeus sustentavam ser aquela a “terra prometida” para eles. Direito religioso. Os palestinos eram vistos só como árabes, tendo muitos outros territórios árabes para viver. Acontece, porém, que eles não pensavam assim.

A conquista da terra pelos israelenses se deu pela compra, pela ocupação e pela expropriação.
Em 1967, Israel passou por cima da Convenção de Genebra e implantou colonos em terras que não lhe pertenciam. Ainda permanece como ocupante em Golã, Jerusalém Oriental e parte da Cisjordânia. Vencida a fase de instalação, palavras terríveis como as de Vladimir Jabotinsky, um dos construtores da nação judaica, foram esquecidas: “Todo povo indígena (e pouco importa que seja civilizado ou selvagem) considera seu país seu lar nacional, do qual ele será sempre e totalmente dono. Jamais tolerará voluntariamente não só um novo dono, mas até mesmo um novo parceiro. Isso é o que ocorre com os árabes (...) A colonização sionista, mesmo a mais restrita, ou deve cessar, ou deve ser conduzida contra a vontade da população indígena (...) Tudo isto não significa que seja impossível um acordo. O acordo voluntário é que é impossível. Enquanto eles tiverem um vislumbre de esperança de poder livrar-se de nós, não venderão este vislumbre por quaisquer palavras doces ou algumas guloseimas, porque não são usurários, mas uma nação, um pouco andrajosa, mas ainda viva”. Não parece assim hoje?

Ao contrário do mito – um povo sem terra para uma terra sem povo – o pedaço tinha dono, embora os palestinos não se vissem como nação, no máximo uma Síria do  Sul, nem vissem os judeus como etnia ou povo, mas como praticantes, feito eles, de uma religião. Para uma visão, limitada certamente pelo origem do autor, com muitos dados e citações desconcertantes, não custa ler “Por uma história profana da Palestina”, de Lotfallah Soliman. Ou, de outro horizonte, ler “A invenção do povo judeu”, do professor da Universidade de Tel-Aviv Shlomo Sand, que, em artigo no jornal Le Monde, comparou Israel a Golias, e os palestinos a Davi, numa inversão constrangedora do mito. Segundo ele, na medida em que a lei do retorno permite a qualquer judeu viver em Israel, será impossível convencer os refugiados palestinos a não desejar o mesmo. Quem é compensado pelo horror supremo com o terror banal acaba sendo combatido pelo terrorismo.



 

Marcas do passado



O conflito entre palestinos e israelenses vai continuar. Não tem fim. As marcas do passado recente são fortes demais para apagar o passado distante. Leiam os textos que seguem e tentem adivinhar o nome do autor: “Não lancemos hoje nenhuma acusação contra os assassinos. Quem somos nós para discutir seu ódio? Faz oito anos que eles nos veem, desde seus campos de refugiados de Gaza, fazer do solo onde viveram seus pais nosso solo e nossa moradia. Somos uma geração de colonos. Sem o capacete e o canhão, não podemos plantar uma única árvore nem construir uma casa sequer. Mas não devemos recuar quando vemos fermentar o ódio que enche a vida de centenas de milhares de árabes que nos observam à nossa volta. Não desviemos por um instante sequer os olhos de nossa tarefa para que ela não nos escape das mãos”. De quem é?

Outro texto: “Grandes sofrimentos foram infligidos aos homens que tomaram parte na operação de evacuação. Entre os soldados da Brigada Yiftach, alguns tinham pertencido aos movimentos de juventude, onde lhes foram inculcados valores de humanidade e de fraternidade internacional. A operação contradizia os conceitos aos quais estavam habituados. Depois da operação, teve-se que recorrer a intensas atividades de propaganda para reduzir a amargura deles e explicar-lhes por que tivéramos a obrigação de recorrer a uma ação tão brutal e cruel?” Os judeus levaram séculos para se reinstalar na terra dos seus antepassados. Como imaginar que os refugiados palestinos esqueceriam a terra deles em menos de 70 anos?

Último texto: “Só nos restavam cinco dias antes da data fatídica de 15 de maio. Era urgente limpar a Galileia central e criar uma unidade territorial em toda a Alta-Galileia (...) Recorremos a uma tática que se baseava na impressão deixada pela queda de Safed e pela derrota na região que fora limpa pela Operação Metaheh. Esta tática revelou-se milagrosamente eficiente. Reuni todos os mukhtar judeus que estavam em contato com os árabes e pedi-lhes que fizessem certos árabes ficarem sabendo que reforços judeus haviam chegado à Galileia e quem iam queimar todas as aldeias da Huleh. Eles deviam sugerir àqueles árabes, enquanto amigos, que fugissem enquanto ainda era tempo. Assim é que, em toda a Huleh, espalhou-se o boato de que era tempo de fugir. Houve milhares de fugitivos”. Em Deir-Yassin, o método foi outro: toda uma aldeia massacrada pelo organismo sionista Irgun. No total, 369 vilarejos foram esvaziados. Segundo Golda Meir,  em 1969, os “palestinos não existiam”. O primeiro-ministro Levi Eshkol pensava o mesmo: “Quem são os palestinos?” Ele só vira na região árabes e beduínos.

O primeiro texto é de Moshe Dayan, herói israelense, em discurso pronunciado, em 1956, no enterro de uma vítima dos árabes. O segundo faz parte da página secreta eliminada das memórias de Yitzhak Rabin, descoberta e publicada pelo New York Times, a respeito da origem dos refugiados palestinos. O terceiro é de Yigal Allon, um dos pilares do sionismo na época da criação do estado de Israel. O nascimento de uma nação pode exigir ferro e fogo. As marcas ficam. Talvez por isso Yosef Weitz tenha escrito em 1940: “Não há outro meio senão transferir os árabes daqui para os países vizinhos, e transferir todos. Nenhuma aldeia, nenhuma tribo deve ficar. Unicamente após a transferência é que nosso país poderá absorver os milhões de irmãos nossos”. Leva tempo para esquecer.



 

Mito judaico



O livro de Shlomo Sand finalmente chega ao Brasil, “A invenção do povo judeu”. Como esta coluna é vanguardista, escrevi aqui sobre Sand em 2009. Judeu, professor da Universidade de Tel Aviv, tendo vivido até os dois anos de idade num campo de concentração e sido soldado na guerra dos seis dias, Sand sustenta que a base da cultura judaica é puro mito, o que transforma em poeira os principais argumentos israelenses em favor de seus privilégios no território que ocupa e defende.

Segundo Sand, a ideia de que os judeus são um povo, uma etnia, ou que descendem de Moisés, Davi e Salomão, é apenas uma fábula religiosa recuperada no século XIX e oficializada a partir de 1960: “Qualquer israelense sabe que o povo judeu existe desde a entrega da Torá no monte Sinai e se considera seu descendente direto e exclusivo. Todos estão convencidos de que os judeus saíram do Egito e fixaram-se na Terra Prometida, onde edificaram o glorioso reino de Davi e Salomão, posteriormente dividido entre Judéia e Israel. E ninguém ignora o fato de que esse povo conheceu o exílio em duas ocasiões: depois da destruição do Primeiro Templo, no século 6 a.C., e após o fim do Segundo Templo, em 70 d.C.”. Nada disso ocorreu.

Quem criou essa fábula? “Trata-se de uma obra do século 19, feita por talentosos reconstrutores do passado, cuja imaginação fértil inventou, sobre a base de pedaços da memória religiosa judaico-cristã, um encadeamento genealógico contínuo para o povo judeu”. Sand vira o jogo: “Novas descobertas arqueológicas contradizem a possibilidade de um grande êxodo no século 13 antes da nossa era. Da mesma forma, Moisés não poderia ter feito os hebreus saírem do Egito, nem tê-los conduzido à ‘terra prometida’ — pelo simples fato de que, naquela época, a região estava nas mãos dos próprios egípcios!” Tem mais: “Tampouco há sinal ou lembrança do suntuoso reinado de Davi e Salomão. As descobertas da década passada mostram a existência de dois pequenos reinos: Israel, o mais potente; e a Judeia, cujos habitantes não sofreram exílio no século 6 a.C. Apenas as elites políticas e intelectuais tiveram de se instalar na Babilônia, e foi desse encontro decisivo com os cultos persas que nasceu o monoteísmo judaico”. Uau! É punk.

Rui o mito? “E o exílio do ano 70 d.C. teria efetivamente acontecido? (...) os romanos nunca exilaram povo nenhum em toda a porção oriental do Mediterrâneo. Com exceção dos prisioneiros reduzidos à escravidão, os habitantes da Judeia continuaram a viver em suas terras mesmo após a destruição do Segundo Templo”. Conclusões de Shlomo Sand: não houve êxodos nem exílios. Os judeus espalhados pelo mundo não descendem, na maioria, de pessoas que um dia tenham vivido na Palestina, mas de um povo de origem turca, os kházaros, convertido ao judaísmo no século 8 da nossa era. Entre os descendentes dos judeus de dois mil atrás há palestinos da Cisjordânia convertidos ao islamismo durante a ocupação muçulmana.





 

Entrevista com Shlomo Sand

Adoro voltar a ser repórter de cultura. Mandei um e-mail para o historiador Shlomo Sand. Ele me enviou seus telefones. Liguei para ele em Israel. Conversamos durante quase uma hora. Pagarei uma fortuna. Resumo do papo:

JMS – O senhor lutou na Guerra dos Seis Dias?

Sand – Claro. Fui soldado. Infelizmente ajudei a conquistar Jerusalém para Israel. Saí sem ferimentos.

JMS – O senhor nasceu num campo de refugiados, não de concentração, obviamente, na Áustria ou na Alemanha?

Sand – Na Áustria, onde só ficamos três semanas. Passamos imediatamente para um campo de refugiados na Alemanha.

JMS – Mantêm suas ideias de que judeus atuais askenazes descendem dos khazares, um reino convertido ao judaísmo?

Sand – Claro que mantenho. É uma evidência. Só os ignorantes e os sionistas rejeitam isso. Em todos os sentidos, inclusive demográficos, os judeus do leste europeu não poderiam ter saído de onde se diz. A origem mítica judia é uma construção sionista do século XIX.

JMS – As críticas não o abalaram?

Sand – Tive mais elogios do que críticas. Grandes historiadores como Tony Judt, Marcel Détienne e Eric Hobsbawm me elogiaram. Edgar Morin me apoiou. Noam Chomsky gostou. Eles são muito mais importantes do que os sionistas que me atacaram. Críticas sionistas são comprometidas. Ganhei o Prix Aujourd’hui 2009, o mais importante atribuído pelos jornalistas franceses. Meu livro será traduzido em 21 línguas. Só os sionistas fanáticos é que o recusam. Só não conseguem refutá-lo.

JMS – Alguns dos seus críticos afirmam que as suas ideias servem aos antissemitas? Isso chega a incomodá-lo?

Sand – Dizer que isso é uma asneira é pouco. Não passa de uma chantagem primária. Não sou antissemista. Sou de origem judaica. Mas ser judeu não é pertencer a uma raça. Isso não existe. Quem pensa assim é racista. Um judeu brasileiro é antes de tudo um brasileiro de religião judaica. Quase nada há em comum entre um judeu polonês e um judeu brasileiro. Não existe uma cultura laica judia.

JMS – O fato de ser um especialista em história europeia deslegitima o seu trabalho sobre a história judaica?

Sand – Outra bobagem. Trabalho na Universidade de Tel Aviv, onde tem um departamento de história judaica e outro de história geral, que não se comunicam. Por eu ser especialista em história geral não poderia falar da história judaica? Só aos sionistas interessa essa ideia.

JMS – Para o senhor, como mostra em “A invenção do povo judeu”, o judaísmo é uma religião, não uma nação ou um povo. Significa que Israel não tem direito histórico ao seu território ou que deve dividi-lo com os palestinos?

Sand – Israel não tinha mais direito histórico algum sobre o atual território. Isso é loucura. Dois mil anos depois, com gente nascida por toda parte e de origens diferentes, que é direito é esse? Estou escrevendo uma continuação de meu livro, “O mito da terra de Israel”. Por que um brasileiro de remota origem judaica tem direito a ir morar em Israel e um palestino nascido em Jerusalém não pode voltar para a sua terra natal? Israel deve existir por ser um fato consumado. Recuar seria uma tragédia. Devemos formar uma confederação de dois estados nacionais para resolver o problema e ir em frente. Viveremos em paz quando formos israelenses, não judeus.



 

De judeu para judeu



Sylvère Lotringer é judeu. Nasceu na Franca e vive há mais de 30 anos nos Estados Unidos. Aposentou-se na prestigiosa Columbia University. Um ex-aluno seu, Simon Rubin, enviou-lhe uma carta aberta de Francine Kaufmann, professora em Israel, defendendo os ataques a Gaza. Sylvère, que esteve em Porto Alegre em 2008,  passou-me a impressionante resposta que deu: “Caro Simon, obrigado por ter me enviado a bela carta de Francine. Ela precisa muitos aspectos que eu ignorava. Trata-se de uma situação muito dolorosa. É verdade que o mundo não compreende por que os israelenses estão totalmente a favor dessa intervenção feroz contra Gaza, da qual só resultará mais ódio e mais destruição. Não se faz a paz entre dois povos pelas armas. Essa blitz contra Gaza é indefensável e, a longe prazo, irreparável. Não é um passo adiante para estabelecer a paz na região, mas bem o contrário”.

“Sim, é uma situação sem saída e não se pode tratar com o Hamas. Mas é preciso distanciamento para compreendê-la. É necessário admitir que Israel sabotou sistematicamente todas as chances de negociação e tornou impossível a única solução viável: estabelecer dois estados vizinhos, complementares e separados. A política de Israel, na prática, foi a de envenenar a situação para reter ou obter o máximo de territórios, inclusive Jerusalém e arredores. É uma política ‘sionista’ no mau sentido dessa palavra. Não é o nosso sionismo do pós-guerra, idealista e generoso, mas um sionismo que ignora a realidade das ruas. Há agora dois nacionalismo, dois ‘fundamentalismos’ em confronto, o islâmico e o ‘sionista’, em termos territoriais e religiosos”.

“Enquanto se continuar a fragmentar os territórios palestinos, para que neles a vida se torne insuportável, prorrogando assim indefinidamente as negociações, não se chegará a lugar algum. É preciso desmontar simultaneamente os dois fundamentalismos para resolver a situação. Do contrário, só se conseguirá fortalecer as posições mais duras do adversário. Não se pode influenciar o oponente pelas armas, mas somente com gestos de paz e demonstrações de abertura, não com meras aparências cosméticas. Para isso é preciso fazer concessões. Israel, porém, continua recusando-se a fazê-las. Precisei de muito tempo para admitir que o sionismo é um nacionalismo como outro qualquer, não apenas uma compensação das tragédias do passado. A máquina nacionalista está impondo-se sobre qualquer outra consideração. Condena-se nos outros aquilo que se deveria reconhecer em si mesmo, embora não seja fácil. Não se é responsável pelo adversário, mas pelo que se faz. Quando se bloqueia uma situação durante anos, é preciso estar preparado para o pior, que nunca deixa de acontecer”.

“O dilema é simples: quem se recusa a pagar em espaço, paga em sangue dos dois lados. Não se pode reescrever o passado, mas se pode tornar o presente aceitável sacrificando-se alguma coisa. A terra de Israel está ensopada de sangue. Não era isso que se esperava na sua fundação. É preciso definir o que se quer: o controle  do território ou uma coexistência pacífica. Não se pode ter os dois. Vai o link do texto de um intelectual tunisiano, residente na França, que remete a esse difícil equilíbrio de que tanto necessitamos. Temos de parar de acusar o adversário e tomar consciência do que acontece entre nós mesmos para reativar uma negociação capaz de levar a uma paz boa para todos”. O intelectual judeu Sylvère Lotringer seria um ignorante antissemita?



 

Complexos e perseguições



Nesta sexta os palestinos apresentarão à ONU o seu pedido de reconhecimento como Estado soberano. Estados Unidos e Israel não querem ouvir falar do assunto. Israel afirma que é inadmissível um procedimento assim, unilateral. Em artigo na Folha de S. Paulo, Ibrahim Alzeben, embaixador palestino no Brasil, entende que chegou o momento de a ONU “pôr fim a seis décadas de violência na Palestina histórica”. Segundo ele, desde a conferência de Madri, em 1991, deu-se a “quadruplicação do número de assentamentos e colonos em terras palestinas”. Além disso, houve a “criação do muro da vergonha, assassinato de milhares de líderes e cidadãos, judaização de Jerusalém, capital ocupada do Estado da Palestina, bloqueio de Gaza e milhares de presos políticos”. Um quadro terrível que parece pouco evoluir.

Rafael Eldad, embaixador de Israel no Brasil, garante que Israel não se opõe à criação de um Estado palestino: “O que Israel não vê de maneira positiva, além de ser perigosa para a região, é uma declaração prematura  unilateral de um Estado palestino. Se buscam uma solução sem dialogar ou negociar, então com quem querem a paz?” O termo “prematuro” soa estranho aos ouvidos de boa parte dos países membros da ONU. Alzeben põe a criança no colo das Nações Unidas: “É a ONU que deve agir, e agora, após 18 anos de negociações estéreis que consolidaram a ocupação israelense de nosso território”. Eldad defende-se: “Israel, como único país no mundo ameaçado constante e abertamente em sua existência, tem a obrigação de tomar precauções para garantir a sua segurança e sua sobrevivência (...) Israel está ameaçado também pelo Irã, pelo Hamas, pelo Hezbollah e por tantos outros”.

O jornalista brasileiro Clóvis Rossi, analista com distanciamento em relação ao conflito, afirma que “Israel revive o complexo de Masada, a fortaleza em que 960 judeus resistiram até a morte às hordas romanas, vitoriosas no ano 73. Complexo de Masada é um tema frequente no léxico politico-diplomático de Israel, por designar a sensação de que o mundo inteiro está contra os judeus”. Rossi cita Carlo Strenger, chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Tel Aviv, que, em texto no jornal “Haaretz”, aconselha Israel a sair do mito para uma “avaliação realista da realidade internacional”. Rossi cita também Tzipi Livni, líder da oposição no parlamento, para quem o governo age como se “todos fossem contra nós” e “como se todo mundo fosse antissemita”. Ela destaca o óbvio estrelado: Israel tem um grande amigo, os Estados Unidos da América. Mas o amigo estaria descrente nas promessas israelenses de aceitar dois Estados, “mas não faz nada para isso”. Empurrar com a barriga já era.

As conclusões de Rossi são banalmente certeiras: “Nem os palestinos conseguirão jogar os judeus no mar, como muitos de fato gostariam, nem Israel vai conseguir empurrar os palestinos para a Jordânia”. Resultado: só a ONU pode resolver a pendenga. Rossi dispara uma última boa citação, de Shlomo (outro) Ben Ami, ex-chanceler israelense: “Enquanto não terminar a ocupação, enquanto Israel não viver em fronteiras internacionalmente reconhecidas e os palestinos não recuperarem sua dignidade como nação, a existência do Estado judeu não estará assegurada”. Dá para falar em demanda prematura?

 

 

 

 

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895