Itamar Vieira Júnior, ganhador do Jabuti

Itamar Vieira Júnior, ganhador do Jabuti

Torto Arado é um livro impactante

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      Baiano, negro, 41 anos, Itamar Vieira Júnior conseguiu uma façanha: venceu, com o romance “Torto arado” (Todavia), Chico Buarque na disputa pelo prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. Nesta entrevista, ele fala de racismo, arte e violência.

Finalmente o Brasil se abriu para a literatura feita por negros?

Itamar – Eu acho que a gente vive um momento muito importante, de transformações na sociedade. A gente já tinha algum espaço nas pequenas editoras. Fui assim com a Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz. As grandes editoras, que fazem o livro circular e dão certo destaque, também estão se abrindo para isso. No Rio Grande do Sul temos o José Falero, com “Os supridores”, o Jeferson Tenório, com “O avesso da pele”. Estamos fazendo nossa literatura circular.

Isso significa que o racismo está diminuindo no Brasil?

Itamar – É um processo muito longo se a gente imaginar que tivemos quase 400 anos de escravidão e que esse sistema nos legou um racismo estrutural que permeia tudo em nossa sociedade. O que aconteceu em Porto Alegre, no supermercado, não é um evento isolado, mas algo que fala desse racismo estrutural muito marcante e presente nos nossos dias. Temos caminhado a passos largos, mas a mudança não será da noite para o dia. É uma construção de gerações. Acredito que as próximas gerações já herdarão um mundo no qual essas questões já estarão problematizadas, algumas delas já superadas. Parece que estamos num mundo mais racista por que estamos debatendo intensamente. Não é. o mundo que entenderá que o racismo é um monstro a ser derrotado.

Teve racismo estrutural no caso de João Alberto? Tem havido uma desqualificação da vítima para não caracterizar o ato como racismo?

Itamar – Essa desconstrução sempre existiu. Sempre tenta colocar o homem negro nesse espaço de violência. O que ocorreria com um homem branco? Já vi muitos homens brancos discutindo com atendentes, funcionários de supermercados, e nada aconteceu com eles. Basta um homem negro falar num tom mais alto que isso já é tido como violência e justificativa para atos subsequentes que serão praticados. Eu já esperava que fizessem essa desconstrução porque isso é sistemático.

Professor, pesquisador, escritor consagrado, ainda és alvo de racismo?

Itamar – Cada vez menos por ocupar esse espaço público. Posso dizer que já sofri muito inclusive no espaço da universidade. Vez ou outra, ouvia piadas como “esse daí tem um pé na senzala”. Essas coisas que machucam muito e marcam a gente profundamente. Também sabemos que o racismo no Brasil obedece a uma escala de pigmentocracia. Quanto mais retinto, quanto mais melanina, mais a pessoa é alvo de racismo. O livro de Paulo Scott, “Marrom e amarelo”, conta muito essa história. O racismo brasileiro tem várias nuances. Quanto mais vulnerável é a situação social do indivíduo, mais sujeito ao racismo ele está.

Djamila Ribeiro colocou em voga o lugar de fala. Esse conceito é justo? Pode servir para silenciar o outro? Branco pode falar de negro?

Itamar –  Todos devem ter a liberdade de falar, mas a gente sempre deve ouvir aquele que de fato vive o cotidiano representado ali. Imagine uma mesa de vários homens brancos discutindo o feminismo. Seria estranho, não? Da mesma forma, uma mesa com vários homens brancos discutindo racismo. Todos devem ter direito a opinião, mas essa voz deve ser confrontada com os sujeitos do que se discute. Nas artes é mais delicado ainda. Ninguém pode dizer o que alguém vai escrever. James Baldwin tem toda sua obra ensaística, literária, voltada para as questões de raça e o seu lugar como afro-americano no mundo, mas ele escreveu um romance, “O quarto de Giovanni”, que é protagonizado por brancos. Isso não lhe tira o mérito nem a qualidade literária da sua obra. A arte é esse terreno da liberdade. Não fosse assim Flaubert não teria escrito Madame Bovary nem Tolstoi, Anna Karênina. No debate público, o lugar de fala tem o seu lugar.

Em Torto arado, belo livro, as personagens são fortes e verossímeis.

Itamar – Sempre me perguntam: por que personagens mulheres? Como narrar a partir desse lugar? Quando submeti o livro ao Prêmio Leya, eu que não sabia o que fazer e não conhecia editores, adotei um pseudônimo neutro. Concorre-se de forma anônima. Queria que o meu gênero não importasse na avaliação da obra. O júri ficou com uma dúvida até o final. Decidiram qual era o livro vencedor e depois, quando abriram o envelope, ficaram sabendo o gênero do autor. A literatura é esse lugar da alteridade. A gente vive a vida do outro.

Torto arado trata de um mundo rural, personagens negros, descendentes de escravos, e há a questão de poder falar ou não. O mundo rural do nordeste brasileiro ainda é como apresentado no livro?

Itamar – Ainda é muito parecido, muito real. Ei deixei essa questão do tempo em aberto na história. Não há muitas datas. Então as pessoas não conseguem situar a história em determinado momento. Vem até os anos 2000. Fui para campo e encontrei uma realidade que me chocou muito.

 

·       Entrevista completa no meu canal no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=7u33WgadAMY


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