Jango, vítima da ditadura, não foi assassinado

Jango, vítima da ditadura, não foi assassinado

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Sempre acreditei nas virtudes do Minuano. Antes de escrever sobre assuntos polêmicos, consulto o vento. Raramente o vento me engana. Saiu o resultado dos exames feitos a partir da exumação dos restos mortais do presidente João Goulart, deposto pelo golpe midiático-civil-militar de 1964. Como previsto, deu inconclusivo. Nesse inconclusivo, paradoxalmente, há uma conclusão categórica: não foi encontrado qualquer vestígio de veneno ou indício de que Jango tenha sido assassinado. A prudência, no entanto, impõe dizer que talvez isso seja consequência dos limites da tecnologia disponível. Será guardado material para novas análises quando a tecnologia evoluir.

Cantei essa pedra. Os exames dizem que nada se encontrou provando que Jango tenha sido envenenado. Não podem, contudo, provar que não o tenha sido apesar do desaparecimento de todos os rastros. Sem prova “biológica” de crime, vai se pedir que documentos norte-americanos sejam desclassificados (liberados) na esperança de se encontrar um indício ou uma prova documental. Jango foi vítima da ditadura. Mas não foi assassinado. Meu livro, “Jango, a vida e a morte no exílio”, desmonta a tese do assassinato. Ganhou o prêmio da Bienal do Livro de Brasília. Só não ganhou o Jabuti e o Açorianos por sacanagem dos responsáveis por essas honrarias. Deixei nele uma fresta para o improvável como exercício de modéstia e de cautela. Tudo sempre é possível no mundo da ciência e das conspirações.

Nada é definitivo.

O laudo “inconclusivo” abre uma frestinha para quem quer crer no assassinato. A direita está vibrando. Uma prova do assassinato de Jango teria afundado a ditadura e sua viúvas numa lama ainda maior. A divulgação do resultado foi deixada para depois das eleições. Detalhei o resultado no facebook na última sexta-feira. Tive algumas informações de cocheira. O essencial, contudo, veio da pesquisa que fiz para o meu livro. Desde o começo, em conversas com o advogado e escritor são-borjense Iberê Teixeira, formei a minha convicção de que Jango morreu de infarto no miocárdio. Depois, busquei os elementos para demonstrar isso, inclusive o verdadeiro atestado de óbito de Jango. Por fim, desconstruí a narrativa do uruguaio Mario Neira, começada numa oficina literária de uma prisão em Charqueadas, sobre a Operação Escorpião, que teria sido montada para eliminar Goulart. Neira queira emplacar um best-seller e virar preso político para não ser extraditado.

As lendas encantam mais do que certas verdades. Se eu tivesse apostado na tese do assassinato, enfatizando alguns dos falsos indicativos de um crime, em vez de desconstruí-los, teria encontrado uma plateia maior. Jango foi derrubado com ajuda da mídia. A mesma mídia, por sensacionalismo, passou, nos últimos anos, a alimentar a teoria do assassinato. João Goulart quis melhorar o Brasil antes do tempo. Salvou o país de guerras civis em 1961 e 1964. Sofreu e morreu na melancolia do exílio. É mais herói do que Bento Gonçalves e Neto. Só não foi envenenado nem morto em função de uma troca de medicamentos. Mario Neira forneceu combustível para todos os que tinham algum interesse em propagar a ideia de assassinato. Só não encontrou quem publicasse seu livro sobre o tal crime. Por quê?

Por ser autor de uma péssima ficção. O minuano não erra. Vento cruel. Essa história faz pensar no filme "A montanha dos sete abutres", de Billy Wilder, no qual Kirk Douglas interpreta um jornalista decadente e sem escrúpulos que mantém um homem no fundo de uma mina por mais tempo que o necessário para tirar dessa situações boas manchetes e reportagens Em determinado momento, Douglas esbofeteia a feliz esposa do soterrado e diz-lhe que a sua história fica melhor com uma mulher em lágrimas sofrendo pelo marido.

A história da ditadura brasileira ficaria melhor com um presidente deposto assassinado.

Infelizmente os nossos esbirros não ousaram.

Quantas oportunidades perdidas: Getúlio, Carlos Lacerda, JK, Tancredo Neves e Jango.

Nenhum deles foi assassinado.

Na falta de realismo, sobram as lendas e as ficções.

As versões são sempre mais deliciosas.

 

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