Josué de Castro e Paulo Freire

Josué de Castro e Paulo Freire

Geografia da fome e Pedagogia do oprimido

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      Josué de Castro e Paulo Freire estão entre os intelectuais brasileiros mais citados no mundo. Eles publicaram dois livros que podem ser chamados de clássicos. Josué de Castro lançou em 1946, há 75 anos, “Geografia da fome”. Paulo Freire, que faria cem anos em 19 de setembro deste ano, escreveu “Pedagogia do oprimido” em 1968, exilado no Chile. A ditadura brasileira só deixou o livro sair em 1974. Intelectuais produzem as suas obras no contexto em que vivem. O tempo sepulta teorias. Nos clássicos, porém, algo fica. No caso de Freire, a ideia de que a educação deve ser emancipadora, não reprodutora da desigualdade injusta como sistema de hierarquia social, e que o contexto concreto da vida deve figurar no processo de aprendizagem.

      Menino do interior, criado na campanha, só me interessei profundamente por literatura como realidade instrutiva, não só como doce fantasia, quando li a “trilogia do gaúcho a pé”, de Cyro Martins. Era o nosso mundo do êxodo rural em cena. Eu via meus parentes e os amigos do meu pai migrando para os bairros da periferia da cidade. Eu via meu avô contando “causos” da sua vida no campo. Aquilo me mobilizava para aprender. Funciona melhor do que com histórias de distantes ilhas perdidas. Com Josué de Castro fiquei sabendo, graças a um professor uruguaio no ensino médio, que geografia não era decorar nomes de rios e seus afluentes. Foi minha primeira visão do nordeste brasileiro em dimensão realista. As outras vieram com o professor de literatura recitando “Morte e vida Severina”, de João Cabral, e com os romances de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.

      Os professores Arturo e Miller eram doces e sem pretensões doutrinárias. Deixavam marcas nos alunos fazendo com que pensassem a partir de autores sobre o mundo vivido. Josué de Castro mostrou ao mundo o tamanho da fome no Brasil. Recebeu prêmios e condecorações internacionais importantes. Dirigiu a FAO, organismo da ONU para alimentação e agricultura. Josué da Fome, como era chamado, foi o grande pensador brasileiro do seu tempo. Médico, cientista, político, era sumidade mundial. Revelou o que deveria ser óbvio: a fome não era natural nem uma circunstância da geografia brasileira. Era uma questão estrutural. A ditadura imposta em 1964 tratou de persegui-lo, de censurá-lo, de negar-lhe passaporte, de condená-lo ao exílio, onde morreu, em Paris, deprimido, saudoso, aniquilado pelo ostracismo.

      Josué de Castro e Paulo Freire, dois gigantes pernambucanos, autores de clássicos, com erros e acertos, queriam uma só coisa: um mundo melhor. Segue uma dica, ver o documentário “Josué de Castro, cidadão do mundo”, de Sílvio Tendler, com depoimentos de Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Mario Soares, ex-presidente de Portugal, e até de Chico Science. Josué da fome, dos mangues de Recife, da Sorbonne, da ONU, dos encontros internacionais de grandes pensadores, uma fera. O regime militar fez os brasileiros esquecerem Josué. Se alguém quiser lembrar dele é só ler o que escreveu. Os autores morrem. As boas obras ficam.


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