Lembranças do esquecimento
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Ah, essas lembranças que nunca descansam,
Memórias do homem na frutificação do corpo,
Recordações que rasgam a carne e o sexo,
Imagens de manhãs e noites sempre tardias,
Um menino e seu cavalo, o fogo em que ardias,
Uma menina e seu cachorro, gritos do povaréu,
A alma do velho Juan extraviada no céu.
Essas lembranças que matam de tanto viver,
Que pedem para lembrar de sempre esquecer
E vivem como feridas na solidão da pele,
Enquanto o coração só pede que se martele
O quadro da infância, a estação de partida,
O sol rasgando uma fresta entre os seios,
A chuva abrindo sulcos nos entremeios
Dos beijos, dos seixos, das luas e arreios.
Essas lembranças que não se cansam de matar,
Um livro no meio da tarde, a neblina que arde
Como uma vela no negrume da esperança precoce.
Lembranças do pássaro que voou naquele dia
Do potro que disparou na alvorada fria
Da vida que se esgueirou na maresia
Da lagoa onde conchas nasciam vazias.
Essas lembranças que não me deixam morrer
morrer
Porque precisam de mim para esquecer.