Lembranças do esquecimento

Lembranças do esquecimento

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Sul

Ah, essas lembranças que nunca descansam,

Memórias do homem na frutificação do corpo,

Recordações que rasgam a carne e o sexo,

Imagens de manhãs e noites sempre tardias,

Um menino e seu cavalo, o fogo em que ardias,

Uma menina e seu cachorro, gritos do povaréu,

A alma do velho Juan extraviada no céu.

Essas lembranças que matam de tanto viver,

Que pedem para lembrar de sempre esquecer

E vivem como feridas na solidão da pele,

Enquanto o coração só pede que se martele

O quadro da infância, a estação de partida,

O sol rasgando uma fresta entre os seios,

A chuva abrindo sulcos nos entremeios

Dos beijos, dos seixos, das luas e arreios.

Essas lembranças que não se cansam de matar,

Um livro no meio da tarde, a neblina que arde

Como uma vela no negrume da esperança precoce.

Lembranças do pássaro que voou naquele dia

Do potro que disparou na alvorada fria

Da vida que se esgueirou na maresia

Da lagoa onde conchas nasciam vazias.

Essas lembranças que não me deixam morrer

morrer

Porque precisam de mim para esquecer.

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