Lições de economia de Krugman: a direita

Lições de economia de Krugman: a direita

Ônibus e caminhão colidem na av. Cruzeiro do Sul

publicidade

Paul Krugman


Do The New York Times

Então, veja como está: eles estão furiosos e não vão mais aguentar isso. Estou falando dos seguidores do Tea Party (movimento ultraconservador de oposição ao governo Obama)? Não, estou falando das corporações.

Muitas das reportagens sobre a oposição à administração Obama retratam isso como uma espécie de revolta populista. Mas a palhaçada da multidão do socialismo-e-painéis-da-morte* é apenas parte da história do movimento antiobama e, discutivelmente, a parte menos importante. Se você realmente quer saber o que está acontecendo, preste atenção às corporações.

Como você pode fazer isso? Siga o dinheiro - as doações feitas pelos comitês corporativos de ações políticas.

Veja, por exemplo, as contribuições de campanha dos bancos comerciais - tradicionalmente, mas apenas moderadamente, inclinados aos republicanos. Neste ano, até agora, de acordo com o The Washington Post, 63% dos gastos dos comitês corporativos de ações políticas dos bancos foram para os republicanos, acima dos 53% do ano passado. Companhias de títulos, valores mobiliários e investimentos, tradicionalmente inclinadas aos democratas, agora estão dando mais dinheiro aos republicanos. E as empresas de petróleo e gás, sempre inclinadas aos republicanos, capricharam, destinando 76% de suas doações ao G.O.P. (sigla de Grande Velho Partido, como os republicanos são chamados nos EUA).

Esses são números extraordinários, considerando-se a tendência normal de o dinheiro corporativo fluir para o partido que está no poder. Os Estados Unidos corporativos, contudo, realmente odeiam a atual administração. Wall Street, por exemplo, está em um "estado de amarga, efervescente e histérica fúria" em relação ao presidente, escreve John Heilemann, da New York Magazine. O que está acontecendo?

Uma resposta são os impostos - não tanto sobre as empresas quanto sobre as pessoas que as dirigem. A administração Obama planeja elevar as alíquotas de imposto para os mais ricos, retornando aos níveis da era Clinton. Além disso, a reforma da saúde, em parte, será paga com sobretaxas aplicadas aos indivíduos de alta renda. Tudo isso significará um expressivo golpe financeiro para os presidentes de empresas, banqueiros de investimento e outros mestres do universo.

Agora, não chore por essa gente: eles ainda ficarão extremamente bem e, de forma geral, estarão pagando pouco mais como um percentual de sua renda do que pagavam nos anos 1990. Ainda assim, o fato de os aumentos de impostos que eles estão enfrentando serem razoáveis não impede que sintam muita, muita raiva.

Nem os impostos são a história toda.

Muitos apoiadores de Obama ficaram decepcionados com o que entendem como a brandura da administração no que diz respeito às questões regulatórias - sua aceitação de uma reforma financeira limitada que não fragmenta os grandes bancos, seu apoio à exploração de petróleo em águas profundas, e por aí vai. Ainda assim, os interesses corporativos estão se recusando até a mudanças modestas desde a permissividade da era Bush.

Do lado de fora, essa ira contra a regulação parece bizarra. Quer dizer, o que eles esperavam? O setor financeiro, particularmente, operou de forma descontrolada sob a desregulação, provocando, finalmente, uma crise que deixou 15 milhões de americanos desempregados e exigiu socorros financeiros de larga escala financiados pelo contribuinte para evitar consequências ainda piores. Wall Street esperava sair de tudo isso sem arcar com algumas novas restrições? Aparentemente, sim.

Portanto, o que o presidente Obama e seu partido agora enfrentam não é apenas, ou mesmo principalmente, uma oposição fundamentada no populismo de direita. Pois a fúria dos movimentos de base está sendo canalizada e explorada pelos interesses corporativos, que serão os grandes vencedores se o G.O.P. tiver sucesso em novembro (nas eleições parlamentares).

Se isso soa familiar, é porque deveria: é a mesma fórmula que a direita tem usado há uma geração. Use a política da identidade social para estimular a base; depois, quando a eleição tiver se encerrado, dê prioridade às preocupações de seus doadores corporativos. Apresente-se como o candidato dos "verdadeiros americanos", não aqueles liberais da costa leste tolerantes com o terrorismo; assim que você vencer, declare que tem um mandato para privatizar a Previdência Social. Não surpreende saber que a American Crossroads, uma nova organização cujo objetivo é mobilizar grandes quantias de dinheiro corporativo em favor dos candidatos republicanos, é fruto da imaginação de ninguém menos do que Karl Rove.

Mas os movimentos populares de base não se rebelarão contra o fato de serem usados? Não conte com isso. Na semana passada, Rand Paul, o querido do Tea Party que agora é o candidato republicano a senador por Kentucky, declarou que a crítica do presidente à companhia petrolífera BP sobre o desastroso vazamento de petróleo no Golfo do México é "não americana", que "acidentes algumas vezes acontecem".

A tendência à direita pode ser populista, mas é um tipo de populismo notadamente complacente com as grandes corporações.

Então, como isso afeta o presidente e seu partido? Mr. Obama queria transcender o partidarismo. Em vez disso, contudo, encontrou-se muito na posição que Franklin Roosevelt descreveu em um famoso discurso de 1936, lutando contra os "velhos inimigos da paz" - monopólio financeiro e empresarial, especulação, bancos imprudentes, antagonismo de classes, regionalismo e exploração da guerra".

E isso não é necessariamente uma coisa ruim. Roosevelt transformou a oposição corporativa em um emblema de honra: "dei boas-vindas ao ódio deles", declarou. Está na hora de o presidente encontrar o seu Roosevelt interior e fazer o mesmo.

*Referência à direita americana, que acusa Obama de implantar o socialismo, e ao mote dos políticos republicanos durante o debate da reforma do sistema de saúde nos EUA, segundo o qual o governo criaria comitês que decidiriam, com base em um nível de produtividade, quais pacientes ganhariam atendimento e quais seriam "selecionados para morrer".

Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895