Marinheiros insubordinados

Marinheiros insubordinados

publicidade

Em 25 de março de 1964, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, aconteceu a comemoração do segundo aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais. O historiador Jorge Ferreira resumiu assim a questão: “A situação na Marinha de Guerra era explosiva, sobretudo devido às péssimas condições profissionais dos marinheiros: além dos salários miseráveis, regulamentos absurdos impediam os subalternos de se casarem, impossibilitando-os de, legalmente, constituir família”. Pura verdade.

A sacrossanta disciplina militar impedia o casamento da ralé. Uau!

Em “Jango”, faço a pergunta: “O que houve no Sindicato dos Metalúrgicos? Dois mil marinheiros, sob os olhos de Brizola e do lendário João Cândido, o líder da Revolta da Chibata de 1910, discursam freneticamente, pedem alteração do regulamento da Marinha, clamam por tratamento mais humano, exigem o reconhecimento da associação cujo aniversário festejam, repetem suas demandas, embalam seus sonhos num ritual coletivo de autorreconhecimento, demandam que ninguém seja punido por ali estar, vibram em comum, calorosamente juntos, comungam com um vinho tinto de mágoas, de humilhações”.

O problema é que já estão sendo traídos na voz do “Cabo Anselmo, jovem líder e organizador do evento, que defende as ‘reformas de base, que libertarão da miséria os explorados do campo e da cidade, dos navios e dos quartéis, esse Anselmo, José Anselmo dos Santos, que entra naquela noite para a história do Brasil, aparentemente pela porta da frente, na verdade, como confirmaria o torturador Cecil Bohrer, pela porta dos fundos, agente provocador infiltrado entre os marinheiros para levá-los a cometer o que estão cometendo, o mergulho no abismo da armadilha da direita, direto para o ventre do monstro bulboso. O ministro Motta, que proibira a manifestação, manda uma tropa de fuzileiros navais prender os insubordinados, que se sentem livres como nunca foram, como não são, e resistem, ainda mais que os atacantes, respaldados pelo próprio comandante, o intrépido janguista almirante Aragão”. É rolo grande.

O ministro Sílvio Motta, “inconformado com a atitude de Aragão e com a ordem de Jango para que o Sindicato não seja violentado, não seja estuprado, não seja violado”, pede “demissão em caráter irrevogável, sendo substituído por Paulo Mário Rodrigues, tardiamente, pois mesmo com a negociação na manhã seguinte, conduzida pelo ministro do Trabalho Amauri Silva, o mesmo Amauri que estará no exílio com Jango, mesmo com a prisão dos marinheiros, levados para São Cristóvão, o mal está feito e pode piorar: Jango anistia os rebelados, que saem em festa pelas ruas da chocada ex-capital da República”. Absurdo?

Não, pois “a anistia era comum no Brasil”. O ministro da Justiça Abelardo Jurema lembraria que JK anistiara os “sublevados de Jacareacanga logo no dia seguinte às últimas prisões, sem que, ao menos, tivesse sido aberto inquérito”. Quase fim: “A festa dos marinheiros, em marcha na direção do Ministério da Guerra, com os almirantes Aragão e Suzano de mestre-sala e porta-bandeira, transforma-se, porém, em banquete da imprensa, o festim dos chacais, a comilança dos corvos e abutres”. Marinheiros direito ao casamento era demais.

 

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895