Memórias de fim de ano

Memórias de fim de ano

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O país atravessa um momento difícil. Essa é a expressão que se usa desde tempos imemoriais. A situação tenta minimizar os estragos. A oposição procura agravá-los. Nada de novo na paisagem brasileira desde a chega dos portugueses. Um vento do passado, porém, me agita os cabelos grisalhos. Um passado tão recente e tão distante que se perde na largura de uma biografia escassa, a minha. Por que me vem, nos finais de ano, essa saudade de chuvas, ventos, aragens, relâmpagos, temporais e de imagens que se acendem e apagam enquanto o pêndulo de um velho relógio oscila na parede de uma casa de madeira coberta com capim santa fé e debruçada à margem de um pomar.

Pensei  nisso enquanto olhava as árvores da Redenção. Vi uma árvore alta, curvada, parecendo tocar o céu. Era assim que eu via as árvores quando era criança. Mastros que se aproximavam do céu e abrigavam pássaros que tinham o privilégio de beijar as nuvens.

O olhar de criança é mágico. Eu achava que, subindo nas árvores mais altas, seria pássaro e, como eles, beijaria o céu.

Na época, eu não fazia diferença entre as nuvens e o céu.

Subi em muitas árvores. Senti-me pássaro tantas vezes. Ainda bem que não tem tentei voar.

Quando pensava nisso, minha avó, atenta e implacável, gritava:

– Vai cair daí, guri. Pensa que é passarinho!?

Eu queria ser. Pensava que era.

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