Mentiras que nos contaram em 2017

Mentiras que nos contaram em 2017

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 Todo ano duas categorias mentem para nós com esmero e muita confiança: políticos e especialistas. São pessoas que não hesitam, não duvidam e não coram. Governistas mentem sobre o futuro. A oposição mente sobre o passado. Juntos, políticos e especialistas mentem sobre o presente. Nós, na falta de alternativa, fingimos que acreditamos. É incrível a nossa capacidade de dissimulação. Ouvimos as mentiras de sempre e fazemos de conta que são novidades.

Às vezes, por perversidade, repassamos essas mentiras jurando que cremos nelas. Semeamos o terror em nome da modernidade, da tecnologia e do porvir.

Políticos mentem por estratégia ou falta de vergonha. Faz parte do ofício e do fetiche do tabuleiro de xadrez. Especialistas mentem por arrogância ou ignorância. Acreditam nas teorias que inventam para resolver todos os problemas do mundo. Para cada tese de um especialista existe, em geral, uma antítese sustentada por outro especialista. Nenhuma síntese é provável. Especialistas odeiam ser contestados por leigos. Estendem arame farpado em torno dos campos públicos. Expulsam os seres comuns e passam a ditar as regras.

Em 2017, ouvimos mentiras como sempre e absurdos como nunca. O governo de Michel Temer passou o ano mentindo sobre a reforma da Previdência. Mentiu sobre tudo o que diz respeito ao assunto, do calendário ao número de votos que poderia conseguir passando pelo conteúdo da reforma. Teve um especialista que se superou quanto à reforma trabalhista. Durante meses, em telejornal de grande audiência, sustentou que a reforma deveria acontecer para gerar empregos.

No dia seguinte ao da aprovação da dita cuja apareceu na mesma televisão destacando que não se esperasse milagre na criação de postos de trabalho. Mentira e gravata fazem parte da nobre função pública.

Há uma mentira que se repete todos os anos: não existem mais ideologias. É a fakenews mais difundida pela direita. Essa mentira tem outra formulação: não existem mais esquerda e direita. Como diz a piada, a esquerda combate o capitalismo, enquanto a direita combate a esquerda, que não existiria mais. Outra mentira recorrente é esta: a população está cansada de polarização. O sujeito diz e complementa:

– Só quem gosta de polarização são os radicais, fanáticos, atrasados.

Enquanto existirem ricos e pobres, gente que se dá bem e gente que se só dá mal, haverá polarização. Ou seja, pelo jeito, sempre. Ao menos, no Brasil. Duas grandes mentiras de 2017 foram: as reformas trabalhista e previdenciária serão feitas em nome do bem de todos. A grande mentira dos últimos tempos tem uma embalagem futurista: “A nova geração não tem mais tanto interesse em carreira, muito menos em trabalhar décadas para um só empregador". Palavra de especialista. Quase todo jovem que conheço quer emprego interessante, bem pago, com perspectiva de futuro e garantias trabalhistas. Não conheço um só jovem estudante de jornalismo que não sonhe em fazer coisas como ser correspondente internacional pela vida toda de um grande veículo. Nas faculdades de direito eles sonham com a magistratura e com o STF.

Esse tipo de mentira faz crer que todo mundo quer ser alguma coisa como motorista de Uber. As pessoas querem poder trocar de emprego? Claro. Por emprego melhor. Querem ser empreendedoras? Claro. Se for evidente que poderão ganhar dinheiro com isso e viver bem. Existe essa evidência? Claro que não. Fico imaginando o jovem ou a jovem que se forma ou não se forma, casa-se e tem filhos: será que quer riscos e desregulamentação ou garantias para sustentar a família? E se ficar doente, como faz? Quantas pessoas ganham o suficiente para poupar e se garantir em caso de necessidade ou de aposentadoria?

Como será que essa fakenews é recebida pela nova geração sueca? Pelos alemães? Pelos franceses? Ah, franceses não contam, pois eles costumam ser refratários a essas fábulas liberais. São vistos como chatos e do contra por terem uma das maiores economias do mundo e ainda acreditar em Estado do Bem Estar Social. Tem filho de especialista nesse tipo de previsão que faz concurso para tribunais. Essa lorota finge ignorar uma realidade acachapante: a maioria das pessoas já passa por muitos empregadores e “carreiras”. Conheço quem tenha sido açougueiro, pedreiro, porteiro, entregador de pizza, vigilante, carregador de caminhão e funcionário de supermercado.

Tem quem resolva a questão com um suposto fair-play: mentir faz parte do jogo. Qual jogo? Quem dá as cartas? Quem é passado para trás? Quem quebra a banca? A mentira do ano não para de ser repetida: a economia está dando sinais de melhora. Para quem, cara pálida? Para quem? Tem aquela outra também: nosso objetivo é combater a corrupção. Quase ninguém se importa com a corrupção no Brasil. O que interessa é combater o inimigo ideológico. A corrupção pode ser um bom pretexto. Quem não se lembra do PMDB e dos tucanos combatendo a corrupção em 2016? A indignação passou, a febre baixou, a mentira colou. Já era.

Michel Temer contou a última perto do Natal: o povo gosto do seu governo, mas tem vergonha de dizer.

Passamos a acreditar em Papai Noel.

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