Meu coração bate pelos vulneráveis

Meu coração bate pelos vulneráveis

Por que não mudamos o mundo?

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      Quando a noite cai, talvez pelos mistérios da falta de luz ou por sentir medo do escuro, eu penso nos vulneráveis que habitam a nossa cidade. De onde me vem essa preocupação lancinante com os que sofrem ou correm riscos que me assustam? Não sou herói nem virtuoso. Nada tenho de especial. Por que então estremeço ao sentir na pele o frio que se adensa e o vento que sacode os abrigos improvisados dos moradores de rua e os destinos dos que já perderam quase tudo? Talvez eu tema me ver um dia como eles. Pode ser que, como quando eu era criança, ainda não entenda a existência de tanta pobreza num mundo que produz riquezas enormes, excessos, luxos e tanto desperdício.

      Fiquei velho sem compreender a chamada realidade com o seu cortejo de tristezas e maldades estruturais. Da janela, vi um homem preparar sua cama improvisada enquanto a chuva batia e o vento sibilava zunindo entre paredes e vazios.  Nossa passagem por esta vida é tão curta e ainda assim nos comportamos como se fôssemos eternos. Sei que há nessa afirmação um clichê daqueles que fazem sorrir os céticos, os cínicos e os endinheirados. Nada sei fazer que não seja, mal ou bem, escrever o que sinto. Não sei mudar o mundo nem contribuir para grandes projeções. Só me resta expressar minha perplexidade diante das misérias que se perpetuam diante dos nossos olhos tristes.

      O que estou querendo dizer? Algo quase juvenil: por que não mudamos este mundo? Por que não o tornamos melhor para todos? Dizem que depois de certa idade recomeçamos a ter sonhos e posturas de criança. Eu me emociono diante das árvores floridas, penso nas manhãs de setembro como quem experimenta o seu primeiro beijo de amor, vibro com a bondade das pessoas como se me descobrisse diante de uma fonte jorrando água límpida. Sim, sou piegas e não tenho mais jeito. Quando me atrevo a cantarolar, me ouço dizer “quero a utopia, quero tudo e mais/Quero a felicidade dos olhos de um pai/Quero a alegria muita gente feliz/Quero que a justiça reine em meu país”. Minhas utopias são as de um homem muito comum: não ver mais gente morando na rua, sonhar que aposentados terão condições dignas de vida, viver num mundo em que os valores espirituais contem mais do que os materiais, ser feliz.

      De repente, ouço uma reprimenda vinda de algum lugar imaginário: e daí? Fico atônito. Pois é, e daí? Por que estou incomodando o leitor com esta conversa? Bem, daí que os deserdados da sorte me comovem. Daí que os sem eira nem beira atraem a minha empatia. Não que eu seja um benfeitor. Sou um reflexivo. Sonho com esses mundos possíveis que não se materializam. Repito a pergunta feita por Ailton Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”: “Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar às gerações futuras?” Pergunta retórica? Por que não a transformamos em reflexão profunda a cada momento? No passado, um grande intelectual desculpou-se por não tido tempo de ser breve. Eu me desculpo por não ter tempo neste texto de ser leve.

     


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