Meus bons ou maus hábitos

Meus bons ou maus hábitos

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 Sou uma pessoa conservadora. Tenho hábitos irremovíveis. Todo ano faço certas coisas na mesma ordem. Todo dia sigo uma sequência de coisas: acordo, tomo banho, escovo os dentes, faço a barba, começando sempre pelo lado direito, visto a roupa, leio o Correio do Povo, tomo café, saio de casa, atravesso a rua no mesmo lugar, pego o ônibus e digo alto e bom som a quem encontro: Bom Dia. Sempre na mesma ordem. Os hábitos funcionam como pontos de referência para mim. Sem eles perco pé e sou capaz de sair nu pela rua. Nunca perco um filme de Woody Allen. Faz parte da minha rotina. Vejo o filme e escrevo sobre ele. Sempre nesta ordem. Mas já poderia ser o contrário. Vejo o filme e escrevo sobre ele para dizer que o cineasta se repete. Sou confiável. Não fico mudando de ponto de vista. Defendo, como tantos outros, que o pior filme de Woody Allen é melhor do que 99% do que o cinema mostra todo tempo. É claro que já fui ver “Roda Gigante”.

É certamente o mais medíocre filme já feito pelo Woody Allen. O que eu poderia dizer de uma comédia da qual o público nunca ri? A gente percebe o diálogo inteligente feito para risada, que não sai. Woody faz comédia sob a forma de drama. Dissimula tão bem que o público toma o falso por verdadeiro e não ri. Quase chora. Sei que já fiz essa observação em relação ao filme anterior, cujo nome não lembro, como também não lembro dos atores. Eu me repito. Faz parte dos meus hábitos e da minha credibilidade. Qualquer um pode conferir. Havia uma fila enorme na sessão de “Roda Gigante”. Fui logo dizendo:

– Woody Allen sempre arrasta muita gente.

Errei. Era para outro filme.

Woody Allen já não passa na sala maior. Foi alojado na menor. Sinal dos tempos. Um espectador culto fez comentários pertinentes sobre um dos personagens de “Roda Gigante”:

– Ele se chama Dumpty.

– Não. Ele se chama Humpty.

– Dá no mesmo.

– Mesmo?

– Isso mesmo.

– E daí? – questionou o amigo dele, levemente entediado.

– É metalinguagem.

– Mesmo?

– Saca Humpty Dumpty?

– Esse nome me diz alguma coisa.

– Alice...

– Minha sobrinha?

– Não. Alice no país das maravilhas.

Só Woody Allen é capaz de promover conversas assim na saída do cinema. Há filmes que só produzem diálogos de natureza quantitativa:

– Ele matou 17.

– Contei 18.

– Tem um que foi bala perdida.

– Certo, mas saiu da arma dele.

Não sei o que será da minha vida depois da morte de Woody Allen, que espero custe muitos filmes a acontecer. Terei um filme e uma crônica a menos todo ano. Não poderei me repetir neste importante aspecto deste minha existência tão rotineira. Ficarei perdido. Também não receberei a crítica dos fãs do cineasta. “Roda Gigante” é fraquinho. Se duvidar, vejo de novo.

Um Woody Allen ruim é sempre bom.

Na minha rotina, essa frase vem sempre em último lugar.

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