Michel Houellebecq a dez pilas na Feira do Livro

Michel Houellebecq a dez pilas na Feira do Livro

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Não escondo de ninguém: acho Michel Houellebecq um dos melhores escritores do mundo na atualidade.

Acho melhor que medalhões como Roth.

Só pode ser superado por um Gabriel García Márquez.

No registro da literatura pós-moderna ou hipermoderna, ele é o melhor.

Melhor que um Paul Auster.

Houellebecq é bom pela sua ironia, pelo violento espírito de provocação, pela sua capacidade de ser o principal intérprete do "ar deste tempo",  aquele que capta melhor nossas contradições, nossos paradoxos, nossas loucuras e nossas obsessões.

Na Europa, ele é celebridade.

Dá capa no New York Times.

Tem fã-clube na Argentina e no Chile.

Está traduzido em mais de 60 países.

Já foi processado por muçulmanos fanáticos.

Aborda o turismo sexual, a sexualidade como sistema de hierarquia social, a fabricação de mitos pela mídia, a cultura das aparências, nossas vidas de rebanhos consumistas, a hipervalorização da juventude, da beleza e do dinheiro.

Também não escondo de ninguém que para mim feira de livro deve ser o espaço dos grandes livros a baixos preços.

Fico estimulando as editoras a darem o máximo de descontos.

A editora Sulina topou a minha provocação.

Colocou no seu "balaio", que é onde se encontra o mais interessante pelo melhor preço, dois livros de Michel Houellebecq traduzidos por mim: "Partículas elementares" e "Extensão do domínio da luta".

Cada um desses livros a R$ 10 (no balaio da barraca da Sulina).

Vai durar pouco.

Diante dessa iniciativa da editora, viro garoto-propaganda.

Como poderia deixar de divulgar os livros que traduzi, do autor que mais admiro, a dez pilas?

Todo mundo vai perder dinheiro.

O leitor vai ganhar dois grandes livros.

Se eu já  não os tivesse, estaria lá para comprá-los cinco minutos antes de a Feira abrir.

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MINHA PRIMEIRA ENTREVISTA COM MICHEL HOUELLEBECQ



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Autor inovador e preocupado com a “incomunicabilidade” no mundo contemporâneo, o romancista Michel Houellebecq apresenta-se como uma sociólogo ficcionista ou um ficcionista sociólogo.

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O retorno dos escritores malditos

 

Inclassificável, irreverente e surpreendente nas suas posições intelectuais e políticas, Michel Houellebecq é um serial-killer da cultura, em luta contra os dogmas da narrativa literária do século XX, pautada pelo formalismo vazio, e contra as utopias pseudo-libertárias que geraram o narcisismo deste final de século. Sempre disposto a combater o política, estética, intelectual e culturalmente correto, ousa preferir Auguste Comte a Karl Marx e o século XIX ao XX. Com ele, nunca se sabe onde termina a provocação nem onde começa a desmitificação.

Defensor do amor contra o egocentrismo e de valores contra a indiferença contemporânea, vê nas utopias de maio de 68 o detonador de um efeito perverso: o neoliberalismo comportamental dominante neste final de milênio. Em todo caso, Houellebecq não encontra a solução para isso nos clássicos projetos das esquerdas partidarizadas e sempre sectárias. Escritor de idéias, não de mensagens, constrói cenários nos quais a humanidade aparece despida, cruamente tratada, exposta em todas as suas contradições e hipocrisias. Dono de um texto límpido, cortante, direto, ignora os floreios e os barroquismos, atendo-se ao choque frontal e impiedoso.

Na entrevista que segue, Houellebecq abre o jogo e mostra as suas escolhas, dúvidas e mesmo o desconhecimento de certos temas, entre os quais o do imenso universo brasileiro, abordado de forma transversal e irônica em Partículas elementares, livro que o consagrou (lançado no Brasil pela Editora Sulina) no mundo inteiro. Para quem pensava que a grande linhagem dos escritores malditos franceses estava esgotada, Michel Houellebecq e o seu Partículas elementares representam o absolutamente inesperado. Mais corrosivo e menos previsível do que o bug do milênio.



Juremir Machado da Silva — Afirma-se, com freqüência, que a literatura francesa está em crise. O seu livro, Partículas elementares, com a polêmica que provocou e o com o sucesso de público, demonstra o contrário. O Senhor considera-se como o “papa” de uma “escola da lucidez e também como renovador da ficção do seu país?

Michel Houellebecq — Ninguém pode autoproclamar-se papa ou líder de nada; são sempre os outros que decidem sobre isso. De fato, constato que muitos jovens escritores franceses de hoje se sentem próximos de mim, ou, até mesmo, declaram-se influenciados pelo que escrevo. Num certo sentido, isso me constrange um pouco, pois não tenho a mentalidade de um “líder”. Detesto estabelecer diretivas ou dar ordens. Por outro lado, evidentemente, fico orgulhoso. Já a impressão de declínio da literatura francesa no estrangeiro, vem do fato que depois do “Novo Romance”, há já 40 anos, nada mais em literatura conseguiu ultrapassar as nossas fronteiras. Ora, o “Novo Romance” é chato, sem perspectiva de permanência, nascido morto. Mas não exerceu qualquer influência sobre os autores franceses contemporâneos.

JMS  — O senhor defende que é preciso construir romances também com idéias, pois considera que as reflexões teóricas constituem um material romanesco tão bom quanto outro qualquer. Trata-se de uma ruptura consciente e provocativa em relação aos que preferem uma literatura de intriga ou a literatura contemporânea parece-lhe vazia e dominada por um formalismo estéril?

Houellebecq — Na vida real, é certo que as pessoas agem; mas elas também pensam e, por vezes, o pensamento tem relação com as ações praticadas. Não me situo de forma alguma em oposição à “literatura de intriga”. Nesta, inclusive numa grande parte dos romances populares de aventura, os personagens expõem, às vezes longamente, as suas concepções de mundo e os motivos das suas ações. Sinto-me muito mais em oposição à literatura em que os personagens praticam ações indiferentes, vazias de sentido, num ambiente de total neutralidade. A neutralidade para mim não existe. E só pode ser experimentada no registro da dor. O mundo, humano, em outras palavras, é sempre patético.

JMS — Se a teoria pode entrar no romance, a poesia parece-lhe ser a única a resistir a tal integração. Por quê? Trata-se de um privilégio, oriundo da admiração pela poesia, ou da especificidade discursiva desta?

Houellebecq — Não digo que seja impossível integrar a poesia ao romance; confesso que senti enorme dificuldade ao tentar fazê-lo. Contudo, a parte viva, parte ativa, de um romance é sempre de ordem poética; mas se trata, na maior parte das vezes, de prosa poética, o que não é a mesma coisa. A grande dificuldade, que exigiria considerável trabalho e até mesmo, provavelmente, a invenção de uma nova linguagem, seria a integração harmoniosa, passando pelas intermediações necessárias, de fragmentos versificados e líricos numa narrativa em prosa.

JMS — Partículas elementares é um livro extraordinário pela sua capacidade de derrubar mitos, especialmente os de maio de 68. Como o senhor reage, em função disso, quando o acusam de ser reacionário?

Houellebecq — No plano político, já me situei, explicitamente, várias vezes, na esteira de Auguste Comte. Não o Comte vulgarizado pelo positivismo primário, mas o que sobressai de uma leitura profunda da sua obra. Sem entrar muito, por agora, nos detalhes, a divisa comtiana “Ordem e Progresso” permite, já de início, entender porque rejeito, com energia, de posicionar-me com base na oposição progressistas/reacionários, ou esquerda/direita, à qual se resume o debate na França. Creio ser possível pensar foram dessa redução. Infelizmente Auguste Comte está esquecido em seu próprio país e foi, quase sempre, interpretado de forma inadequada. Ele é desconhecido do grande público, muito pouco estudado nas universidades e os seus principais livros tornaram-se quase impossíveis de encontrar. Não seria exagerado afirmar que sou o único escritor francês que o leu realmente. Em conseqüência, até agora, não fui compreendido. Talvez no Brasil, em função da sua história, a situação seja diferente. Com efeito, o Brasil representa certamente a minha última chance de conseguir explicar as minhas posições filosóficas e políticas.

JMS — Dado que o senhor não rejeita as idéias na obra romanesca, qual era o seu objetivo “ideológico” com a construção de um romance que investe contra os clichês utópicos?

Houellebecq — Nunca acreditei nas “utopias” que denuncio. Sinto uma verdadeira antipatia pela valorização do egoísmo, pela depreciação da moral, pela exaltação exagerada da liberdade individual, derivados de maio de 68. Mas o meu livro, além de ser uma crítica disso tudo, é também uma homenagem a certos valores que me parecem positivos: o amor, a piedade, a ternura, o prazer sexual e toda uma dimensão feminina da existência.

JMS  — Crítico da deriva individualista de maio de 68, o senhor considera-se como um libertário, escritor maldito, ou simplesmente como uma marginal que se tornou célebre graças ao sucesso de um livro?

Houellebecq — Sou um marginal que se tornou famoso, o que me parece totalmente surpreendente, pois as minhas características e as minhas aptidões predispunham-me muito mais ao destino de “poeta maldito”. Ainda tenho, porém, a possibilidade de desacreditar-me por conta própria, o que me abriria o caminho para uma nova forma de maldição, bastante “moderna”, quanto ao princípio, mas real.

JMS — Escritor em ruptura com as convenções literárias hegemônicas, o senhor admite ter sofrido influências decisivas ou o passado parece-lhe descartável?

Houellebecq — Represento, certamente, uma ruptura em relação à literatura francesa do século XX; mas de forma alguma uma ruptura no que se refere à totalidade do passado literário. A maioria das minhas referências, em realidade, dizem respeito ao século XIX, que me parece de uma energia criativa e de um talento excepcionais. Essa rejeição do século XX não me incomoda nenhum pouco; afinal de contas, estamos por deixá-lo para trás. Gostaria muito, ao contrário, de figurar como um precursor do século XXI.

JMS — Numa passagem de Partículas elementares, há uma sátira impiedosa do Brasil. O senhor conhece a literatura brasileira e que valor tem de fato o Brasil na sua vida?

Houellebecq — Com razão ou não, os brasileiros parecem aos franceses as criaturas mais eróticas do planeta. Por causa disso, o Brasil goza na França de um extraordinário prestígio, sempre em voga. Enquanto isso, tudo o que, de resto, adivinha-se ou percebe-se, como a violência, a corrupção e a miséria, por serem desagradáveis, restam encobertos. Mais do que uma sátira do Brasil, a passagem citada cumpre o papel de sátira da condição do macho ocidental, sempre pronto a aceitar seja o que for para atiçar ligeiramente a sua fibra erótica languescente.

Afora esses poucos clichês, partilhados pela maioria dos meus compatriotas, nada sei do Brasil nem da sua literatura.

JMS — Os seus personagens masculinos de Partículas elementares são duplos um do outro ou, de acordo com a linguagem atual, clones. Ambos desfavorecidos pela sorte. O livro representa uma crítica deste final de século decadente em que as pessoas não têm mais identidade clara nem referenciais válidos?

Houellebecq — Com certeza. Sem religião, sem moral, a vida tornou-se impossível, insuportável para o homem. As mulheres, ao menos até agora, possuem o amor, o que as salva. Mas os homens, no estado atual da nossa civilização, não passam de condenados, de excomungados.

JMS — Até certo ponto sociológico, embora bastante envolvente do ponto de vista narrativo, Partículas elementares é um romance que explora uma “teoria do capital simbólico sexual”. O senhor é um discípulo de Pierre Bourdieu, cuja obra trata desse tipo de assunto? De resto, que lugar ocupa o sexo na época atual?

Houellebecq — Não sou, de forma alguma, um discípulo de Pierre Bourdieu. Posso mesmo dizer que nos meus livros, quanto ao campo sexual, o “capital simbólico” desempenha cada vez mais um papel decrescente; enquanto a sedução física pura e simples ocupa um espaço crescente. De fato, o Ocidente parece-me, atualmente, caracterizar-se por uma grande nostalgia do reino animal. Nostalgia que deveria, de maneira ao mesmo tempo lógica e desejável, levá-lo à perdição.

 

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