Michel Houellebecq, o homem livre

Michel Houellebecq, o homem livre

publicidade

Meu amigo Michel Houellebecq vem novamente a Porto Alegre, em agosto, como convidado do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Gostamos de classificações inverossímeis. Fulano é o melhor escritor de todos os tempos. Rigorosamente falando seria preciso ter lido todos os escritores de todos os tempos para fazer tal afirmação seriamente. Não funciona assim. Fazemos um pacto de suposto rigor com base numa complexa rede de opiniões. Li Shakespeare. Não li João de Maria, escritor sem êxito do século XIX. Salvo uma extraordinária injustiça, posso dizer que Shakespeare é melhor que João de Maria. Onde pretendo chegar com toda essa volta?

Michel Houellebecq é o melhor escritor da atualidade entre todos os que eu li. Li muita gente. Não li todo mundo. Li grandes nomes. Admiro Vargas Llosa. Gosto mais de Houellebecq. Cheguei a uma conclusão paradoxalmente bizarra: não gosto de literatura. Gosto da vida em livros. Quando sinto cheiro de literatura, trato de fugir. O cheiro da vida em obras de ficção pode ser desagradável, mas traz o fascínio da verdade, que pode ser fantasiosa ou até de ficção científica. Noto a dificuldade da crítica acadêmica para entender a obra de Michel Houellebecq, um condensado de ironia e provocação sem floreios verbais. Michel não é realista nem experimental. O que é?

Não encanta o escritor oficineiro. Em geral, aborrece os que amam Joyce e Guimarães Rosa com seus neologimos ou expressões locais. O mesmo tende a acontecer com que os fãs de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Michel não produz frases que funcionem no twitter. Não revela a profundidade aparente das fórmulas que cabem em agendas ou em epígrafes. É outra coisa. Machuca. Incomoda. Faz mal. Eu invejo Michel Houellebecq. Ele é um homem livre. Eu não sou. Introduzi a obra de Michel no Brasil com Partículas elementares e Extensão do domínio da luta. Ele ganhou o seu maior prêmio, o Goncourt, Nobel francês, com O mapa e o território. Hoje, ele é conhecido mundialmente por Submissão, que deveria ter sido lançado no dia do atentado terrorista contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo.

O que tem de fascinante nos livros de Michel Houellebecq? Eu poderia até dizer: não sei. Algo mágico. Um enigma. Um mistério. Nem sempre conseguimos explicar nossas paixões. Arte tem disso: não entrega sua chave. Por que a Mona Lisa é tão fascinante? Muita gente fica com a aura. Não entra sozinho no mistério. Eu poderia também dizer que Michel tem a capacidade de captar o essencial da nossa época enquanto outros tratam do próprio umbigo ou fazem narrativas para agradar colegas e ganhar pequenos prêmios que consolam das poucas vendas. Tudo isso é verdadeiro. Há mais. O que é esse mais?

Vou provocar muxoxos e outras coisas: Michel junta a clareza do jornalista com a capacidade de teorização do cientista social. Não se constrange em mesclar ensaio, fábula, autobiografia, observação da realidade, polêmica e opiniões fortes. A academia ainda vai levar uns 50 anos para entendê-lo. Dificilmente ele ganhará o Nobel, não por falta de talento, mas por não ser politicamente correto. Maldito. Como um discípulo de Guy Debord, Michel Houellebecq escreve para perturbar a sociedade.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895