Michel Houellebecq vem a Paraty

Michel Houellebecq vem a Paraty

Moradores de Canoas e servidores municipais, além de vereadores e líderes comunitários, deram hoje um abraço simbólico no Hospital Nossa Senhora das Graças

publicidade

Meu amigo Michel Houellebecq será palestrante em Paraty.

A Flip acontecerá no começo de julho.

Ajudei a costurar essa vinda.

Um dos melhores escritores do mundo na atualidade, Houellebecq é homem culto, espirituoso e que adora viagens. A terceira vinda dele ao Brasil permitirá que um público mais amplo descubra o seu trabalho. A diferença entre ele e a maioria dos novos escritores de hoje é a sua capacidade de universalização.

Houellebecq diz "eu", em relatos que parecem autobiográficos, sem jamais ser umbilical. Consegue trazer para a narrativa os grandes problemas atuais.

Segue uma das entrevistas que fiz com ele.

Em 2007, fomos juntos à Patagônia.



 

 

 

 

 

 

 

Dessa experiência, interessante como momento de reflexão sobre literatura, vida e sonhos, saiu meu livro "Um escritor no fim do mundo, viagem com Michel Houellebecq à Patagônia"(Record).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esse livro foi publicado na França como "En Patagonie avec Michel Houellebecq" (CNRS).



*

MICHEL HOUELLEBECQ, o retorno dos escritores malditos


Inclassificável, irreverente e surpreendente nas suas posições intelectuais e políticas, Michel Houellebecq é um serial-killer da cultura, em luta contra os dogmas da narrativa literária do século XX, pautada pelo formalismo vazio, e contra as utopias pseudo-libertárias que geraram o narcisismo deste final de século. Sempre disposto a combater o política, estética, intelectual e culturalmente correto, ousa preferir Auguste Comte a Karl Marx e o século XIX ao XX. Com ele, nunca se sabe onde termina a provocação nem onde começa a desmitificação.

Defensor do amor contra o egocentrismo e de valores contra a indiferença contemporânea, vê nas utopias de maio de 68 o detonador de um efeito perverso: o neoliberalismo comportamental dominante neste final de milênio. Em todo caso, Houellebecq não encontra a solução para isso nos clássicos projetos das esquerdas partidarizadas e sempre sectárias. Escritor de idéias, não de mensagens, constrói cenários nos quais a humanidade aparece despida, cruamente tratada, exposta em todas as suas contradições e hipocrisias. Dono de um texto límpido, cortante, direto, ignora os floreios e os barroquismos, atendo-se ao choque frontal e impiedoso.


Na entrevista que segue, feita para a Folha de S. Paulo, Houellebecq abre o jogo e mostra as suas escolhas, dúvidas e mesmo o desconhecimento de certos temas, entre os quais o do imenso universo brasileiro, abordado de forma transversal e irônica em Partículas elementares, livro que o consagrou (lançado no Brasil pela Editora Sulina) no mundo inteiro. Para quem pensava que a grande linhagem dos escritores malditos franceses estava esgotada, Michel Houellebecq e o seu Partículas elementares representam o absolutamente inesperado. Mais corrosivo e menos previsível do que o bug do milênio.


— Afirma-se, com frequência, que a literatura francesa está em crise. O seu livro, Partículas elementares, com a polêmica que provocou e o com o sucesso de público, demonstra o contrário. O Senhor considera-se como o “papa” de uma “escola da lucidez e também como renovador da ficção do seu país?


Michel Houellebecq — Ninguém pode autoproclamar-se papa ou líder de nada; são sempre os outros que decidem sobre isso. De fato, constato que muitos jovens escritores franceses de hoje se sentem próximos de mim, ou, até mesmo, declaram-se influenciados pelo que escrevo. Num certo sentido, isso me constrange um pouco, pois não tenho a mentalidade de um “líder”. Detesto estabelecer diretivas ou dar ordens. Por outro lado, evidentemente, fico orgulhoso. Já a impressão de declínio da literatura francesa no estrangeiro, vem do fato que depois do “Novo Romance”, há já 40 anos, nada mais em literatura conseguiu ultrapassar as nossas fronteiras. Ora, o “Novo Romance” é chato, sem perspectiva de permanência, nascido morto. Mas não exerceu qualquer influência sobre os autores franceses contemporâneos.


— O senhor defende que é preciso construir romances também com ideias, pois considera que as reflexões teóricas constituem um material romanesco tão bom quanto outro qualquer. Trata-se de uma ruptura consciente e provocativa em relação aos que preferem uma literatura de intriga ou a literatura contemporânea parece-lhe vazia e dominada por um formalismo estéril?


Houellebecq — Na vida real, é certo que as pessoas agem; mas elas também pensam e, por vezes, o pensamento tem relação com as ações praticadas. Não me situo de forma alguma em oposição à “literatura de intriga”. Nesta, inclusive numa grande parte dos romances populares de aventura, os personagens expõem, às vezes longamente, as suas concepções de mundo e os motivos das suas ações. Sinto-me muito mais em oposição à literatura em que os personagens praticam ações indiferentes, vazias de sentido, num ambiente de total neutralidade. A neutralidade para mim não existe. E só pode ser experimentada no registro da dor. O mundo, humano, em outras palavras, é sempre patético.


— Se a teoria pode entrar no romance, a poesia parece-lhe ser a única a resistir a tal integração. Por quê? Trata-se de um privilégio, oriundo da admiração pela poesia, ou da especificidade discursiva desta?


Houellebecq — Não digo que seja impossível integrar a poesia ao romance; confesso que senti enorme dificuldade ao tentar fazê-lo. Contudo, a parte viva, parte ativa, de um romance é sempre de ordem poética; mas se trata, na maior parte das vezes, de prosa poética, o que não é a mesma coisa. A grande dificuldade, que exigiria considerável trabalho e até mesmo, provavelmente, a invenção de uma nova linguagem, seria a integração harmoniosa, passando pelas intermediações necessárias, de fragmentos versificados e líricos numa narrativa em prosa.


Partículas elementares é um livro extraordinário pela sua capacidade de derrubar mitos, especialmente os de maio de 68. Como o senhor reage, em função disso, quando o acusam de ser reacionário?


Houellebecq — No plano político, já me situei, explicitamente, várias vezes, na esteira de Auguste Comte. Não o Comte vulgarizado pelo positivismo primário, mas o que sobressai de uma leitura profunda da sua obra. Sem entrar muito, por agora, nos detalhes, a divisa comtiana “Ordem e Progresso” permite, já de início, entender porque rejeito, com energia, de posicionar-me com base na oposição progressistas/reacionários, ou esquerda/direita, à qual se resume o debate na França. Creio ser possível pensar foram dessa redução. Infelizmente Auguste Comte está esquecido em seu próprio país e foi, quase sempre, interpretado de forma inadequada. Ele é desconhecido do grande público, muito pouco estudado nas universidades e os seus principais livros tornaram-se quase impossíveis de encontrar. Não seria exagerado afirmar que sou o único escritor francês que o leu realmente. Em consequência, até agora, não fui compreendido. Talvez no Brasil, em função da sua história, a situação seja diferente. Com efeito, o Brasil representa certamente a minha última chance de conseguir explicar as minhas posições filosóficas e políticas.


— Dado que o senhor não rejeita as ideias na obra romanesca, qual era o seu objetivo “ideológico” com a construção de um romance que investe contra os clichês utópicos?


Houellebecq — Nunca acreditei nas “utopias” que denuncio. Sinto uma verdadeira antipatia pela valorização do egoísmo, pela depreciação da moral, pela exaltação exagerada da liberdade individual, derivados de maio de 68. Mas o meu livro, além de ser uma crítica disso tudo, é também uma homenagem a certos valores que me parecem positivos: o amor, a piedade, a ternura, o prazer sexual e toda uma dimensão feminina da existência.


— Crítico da deriva individualista de maio de 68, o senhor considera-se como um libertário, escritor maldito, ou simplesmente como uma marginal que se tornou célebre graças ao sucesso de um livro?


Houellebecq — Sou um marginal que se tornou famoso, o que me parece totalmente surpreendente, pois as minhas características e as minhas aptidões predispunham-me muito mais ao destino de “poeta maldito”. Ainda tenho, porém, a possibilidade de desacreditar-me por conta própria, o que me abriria o caminho para uma nova forma de maldição, bastante “moderna”, quanto ao princípio, mas real.


— Escritor em ruptura com as convenções literárias hegemônicas, o senhor admite ter sofrido influências decisivas ou o passado parece-lhe descartável?


Houellebecq — Represento, certamente, uma ruptura em relação à literatura francesa do século XX; mas de forma alguma uma ruptura no que se refere à totalidade do passado literário. A maioria das minhas referências, em realidade, dizem respeito ao século XIX, que me parece de uma energia criativa e de um talento excepcionais. Essa rejeição do século XX não me incomoda nenhum pouco; afinal de contas, estamos por deixá-lo para trás. Gostaria muito, ao contrário, de figurar como um precursor do século XXI.


— Numa passagem de Partículas elementares, há uma sátira impiedosa do Brasil. O senhor conhece a literatura brasileira e que valor tem de fato o Brasil na sua vida?


Houellebecq — Com razão ou não, os brasileiros parecem aos franceses as criaturas mais eróticas do planeta. Por causa disso, o Brasil goza na França de um extraordinário prestígio, sempre em voga. Enquanto isso, tudo o que, de resto, adivinha-se ou percebe-se, como a violência, a corrupção e a miséria, por serem desagradáveis, restam encobertos. Mais do que uma sátira do Brasil, a passagem citada cumpre o papel de sátira da condição do macho ocidental, sempre pronto a aceitar seja o que for para atiçar ligeiramente a sua fibra erótica languescente. Afora esses poucos clichês, partilhados pela maioria dos meus compatriotas, nada sei do Brasil nem da sua literatura.


— Os seus personagens masculinos de Partículas elementares são duplos um do outro ou, de acordo com a linguagem atual, clones. Ambos desfavorecidos pela sorte. O livro representa uma crítica deste final de século decadente em que as pessoas não têm mais identidade clara nem referenciais válidos?


Houellebecq — Com certeza. Sem religião, sem moral, a vida tornou-se impossível, insuportável para o homem. As mulheres, ao menos até agora, possuem o amor, o que as salva. Mas os homens, no estado atual da nossa civilização, não passam de condenados, de excomungados.


— Até certo ponto sociológico, embora bastante envolvente do ponto de vista narrativo, Partículas elementares é um romance que explora uma “teoria do capital simbólico sexual”. O senhor é um discípulo de Pierre Bourdieu, cuja obra trata desse tipo de assunto? De resto, que lugar ocupa o sexo na época atual?


Houellebecq — Não sou, de forma alguma, um discípulo de Pierre Bourdieu. Posso mesmo dizer que nos meus livros, quanto ao campo sexual, o “capital simbólico” desempenha cada vez mais um papel decrescente; enquanto a sedução física pura e simples ocupa um espaço crescente. De fato, o Ocidente parece-me, atualmente, caracterizar-se por uma grande nostalgia do reino animal. Nostalgia que deveria, de maneira ao mesmo tempo lógica e desejável, levá-lo à perdição.




Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895