mitos virtuais: como se fixa o preço de um livro e quanto cada elo dessa cadeia ganha com isso

mitos virtuais: como se fixa o preço de um livro e quanto cada elo dessa cadeia ganha com isso

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Imaginemos um livro com preço de capa de R$ 40 reais.

Com 250 páginas.

Tiragem, como fazem as pequenas editoras, de mil exemplares.

O leitor entra na livraria e compra esse livro.

A livraria, que ganhou 30% de desconto sobre os R$ 40 (chega a 35%), repassa R$ 28 para o distribuidor.

Fica com R$ 12. Esses R$ 12 ajudam a pagar seus custos fixos (funcionários, aluguel, energia, etc).

Dependendo do seu porte, o lucro líquido será maior ou menor.

As grandes livrarias – como a Cultura – compram cada vez mais direito das editoras para eliminar o distribuidor.

Digamos que, na cadeia completa, a livraria consiga lucrar R$ 6.

Se tiver vendido 100 livros, terá lucrado R$ 600.

*

O distribuidor recebeu R$ 28 da livraria.

Como ganhou 50% de desconto da editoria (pode chegar ar 55%), vai lhe repassar R$ 20.

Fica, portanto, com R$ 8.

Esses R$ 8 devem ajudar a pagar seus custos fixos (funcionários, aluguel, água, luz, etc.)

É preciso negociar também quem paga os custos de transporte, o frete.

Digamos que o distribuidor lucre R$ 4.

*

O editor recebeu R$ 20 do distribuidor.

Repassa 10% sobre os R$ 40 para o autor: R$ 4.

Para fazer o livro (capa, revisão, editoração, impressão, etc) gastou, digamos, R$ 6 mil: R$ 6 por unidade.

Se tiver tradução, gasta mais.

Dos R$ 20 que recebeu do distribuidor, tirados os R$ 4 do autor e os R$ 10 do custo de produção, sobram R$ 10.

Esses R$ 10 entram na cobertura dos seus custos fixos (funcionários, aluguel, luz, etc).

Digamos, para facilitar o exemplo, que lucre R$ 5.

*

Recapitulando sem os custos fixos:

Preço de capa: R$ 40:

A livraria fica com: R$ 12

O distribuidor fica com: R$ 8

O autor fica com: R$ 4

A produção do livro leva: R$ 6

A editora fica com: R$ 10

*

Ganho aproximativo para efeito de exemplo depois de incluídos custos fixos:

Livraria: R$ 6

Distribuidor: R$ 4

Autor: R$ 4

Editor: R$ 5

*

Esses números variam e certamente não correspondem exatamente à realidade.

Mas, sobre um preço de R$ 40, obedecida essa cadeia, ninguém ganha R$ 30.

É mito, ignorância, ilusão.

O grande ganho só pode vir de grandes vendas, de altas tiragens, dos best-sellers.

Ou da eliminação de elos da cadeia.

*

Outro caminho para ver o mesmo problema.

Vejamos a composição aproximativa do preço.

Digamos que a editora tenha gasto com capa, editoração e impressão: R$ 5 mil (cinco reais por unidade)

Nem vamos falar em livros estrangeiros com tradução.

Dos 40 reais, cinco foram gastos na produção do objeto.

Sobraram 35.

O autor ganha 10%. Fica então com R$ 4.

Nove reais já foram.

A editora ficará com R$ 31?

Claro que não.

A editora entregará o livro com 50% (ou mais) de descontos para uma distribuidora.

Ou seja, receberá R$ 20 reais da distribuidora, mas já gastou R$ 9 com autor e produção do livro.

Ficará, então, com R$ 11.

Mas uma editora tem funcionários, paga luz, água, aluguel, armazenamento, etc.

Um livro não paga isso sozinho, mas contribui para cobrir as despesas da casa.

Pensemos numa editora trabalhando com um católago ativo de 1000 livros.

É hipotético, uma média.

Digamos que seus gastos mensais fixos de operação sejam de R$ 10 mil.

Cada livro, em média, deve contribuir com R$ 10 para esses custos.

Resultado, a editora, nessa hipótese extrema, lucrou R$ 1.

*

A distribuidora recebeu o livro de R$ 40 por R$ 20.

Vai ganhar R$ 20?

Claro que não.

Vai pagar funcionários, água, luz, etc.

E vai repassar o livro para a livraria, digamos, com 30% de desconto.

Vai perder R$ 12 dos seus R$ 20.

Vai ganhar R$ 8 (que ajudarão a pagar seus custos fixos)

*

A livraria recebe R$ 40 do leitor.

Repassa R$ 28 para o distribuidor.

Cobre seus custos fixos de operação.

Digamos que, sendo muito eficaz, fique com R$ 8 de lucro.

O distribuidor, que recebeu R$ 28 do distribuidor, repassa R$ 20 para o editor.

Com seus R$ 8 cobre seus custos fixos.

Digamos que consiga lucrar R$ 6.

O editor paga R$ 5 pela produção do livro e R$4 para o autor.

*

Dois modos de ver;

De um livro de R$ 40 sem levar em considerações custos fixos:

Livraria ganha: R$ 12

Distribuidor ganha: 8

Editor ganha: 11

Autor ganha: 4

Custo de produção: 5

Levando-se hipoteticamente em consideração custos fixos:

Num livro de mil exemplares, vendido por R$ 40, a editora ganha a fortuna de R$ 4.400, dos quais terá tirar a parte para ajudar a cobrir os seus custos fixos.

E se não vender nada dos mil exemplares?

Quem paga a conta?

É o risco do negócio.

Claro que em grandes tiragens editoras, distribuidoras e livrarias ganham muito.

E o autor também.

O custo do livro é alto porque a cadeia tem muitos elos dispendiosos.

Dá para diminuir margem de lucro?

Certamente.

Mas também é verdade que a maioria das editoras e livrarias trabalha no limite.

*

Qual é a revolução da internet?

Eliminar papel, tinta, custo de impressão, de distribuição e até de livraria.

A editora pode vender diretamente ao consumidor.

O autor também.

Ninguém mais precisa de editor.

Basta pendurar seu pdf num site.

Salvo quando se quer o prestígio, o investimento e a logística de uma editora.

Assim contrato, tem de cumprir.

Resta um componente: o trabalho do autor.

A solução pelo fim do direito autoral é a melhor: elimina editoras, distribuidores, livrarias e até autores.

Todos se transformam em pintores e poetas de fim de semana.

O conhecimento, enfim, torna-se livre.

Joga fora a criança com a água da bacia.

O ressentimento contra a indústria cultural serve de motivo para matar o autor.

Por trás dessa operação libertária esconde-se o velho ódio ao capitalismo, que bem merece.

A solução, no entanto, não o mata.

Apenas o recicla.

Vitória total dos objetos (o livro será virtual) sobre os bens simbólicos.

Um novo tempo da mercadoria.

Tudo pela expressão.

Fim da mercadoria.

Salvo de objetos.

Pode-se também praticar uma evolução o crawdfunding: o autor paga com ajuda de amigos.

Um novo tempo começa.

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