Modernidades brasileiras

Modernidades brasileiras

Crônica sobre uma utopia verde-amarela

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A invasão, em 1500, passaria à história como descoberta. A independência, em 1822, seria um negócio de família. A república, em 1889, teria sido implantada por causa da disputa entre Deodoro da Fonseca e Gaspar Silveira Martins pelo coração de uma mulher. A Semana da Arte Moderna, de 1922, foi patrocinada por Paulo Prado, exportador de café, filho de Antonio Prado, político no Império, latifundiário e escravista. Mario de Andrade, que se tornaria o “papa” do modernismo era um carola. Graça Aranha, que brilhou como avalista da Semana, era um diplomata aposentado, sem obra-prima, em busca de um passatempo. Ficou tão entusiasmado que, mais tarde, convocou a elite carioca para uma palestra na Academia de Letras.

      Na época, a convocação funcionava. Teve engarrafamento. Graça, que sempre tinha sido tradicional, soltou seu “morra a Academia”. Foi convidado, por amor à coerência, a sair do clube. Os modernistas pagavam as edições dos seus livros do próprio bolso. Uns resenhavam os outros e não se davam mole. Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes Neto escreveram sobre a obra de um amigo: “O excelente poeta que é o Sr. Ronald de Carvalho nos dá o mais fraco dos seus livros em prosa”. Ofendiam-se, rompiam, reatavam. O jovem poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade só amava escritores franceses.

      Pontificava: “O Brasil não tem atmosfera mental; não tem literatura; não tem arte; tem apenas uns políticos muito vagabundos e razoavelmente imbecis ou velhacos. Detesto o Brasil como um ambiente nocivo à expansão do meu espírito. Sou hereditariamente europeu, ou antes: francês. Agora, como acho indecente continuar a ser francês, tenho que renunciar à única tradição verdadeiramente respeitável para mim, a tradição francesa. Tenho que resignar-me a ser indígena entre os indígenas, sem ilusões. Enorme sacrifício”. Em 1964, o “francês” indígena apoiou o golpe com a mesma pose. Para ele, Jango havia feito “tudo que era possível para não obter as reformas que preconizava e que ele mesmo não sabia quais fossem até o momento em que seus assessores lhe ministraram os figurinos mal recortados”. Que coisa!

      Os modernistas vagavam de palacete em palacete na Pauliceia Endinheirada em busca de novidade e de alento contra o tédio. A imprensa chamava-os de “almofadinhas da estética”. Quando não se regalavam na mansão de Paulo Prado, refestelavam-se nos saraus da sofisticada mecenas Olívia Guedes Penteado, uma cinquentona que voltava de Paris com quadros das vanguardas em moda. Tudo isso e muito mais se pode ler em “Biografia de Mario de Andrade”, de Jason Tércio”. Eram revolucionários de fraque, cartola, encontros com as mais altas autoridades e conforto. Mario queria escrever em brasileiro. Oswald debochava: “Mestre Mario, o intrigante do Yan me mostrou prá mim uma carta de você que diz assim que você não imita eu”. Eles se amavam e odiavam-se. Competiam e colaboravam.

      As brasilidades são assim, loucas, contraditórias, eltistas. A Pauliceia continua desvairada e endinheirada. As revoluções estéticas do baronato do café agora acontecem entre Rio de Janeiro e São Paulo: em Paraty. Vanguardas.

     

 

 


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