Moro versus Bolsonaro

Moro versus Bolsonaro

Começo do fim?

publicidade

      Um final de semana para pensar: quem mentiu? Quem perdeu mais? Moro nocautou Bolsonaro ao mostrar ao Jornal Nacional um aperitivo do que rolava entre eles nos aplicativos de bate-papo? O que sobrou depois do terremoto?

Mansamente Sérgio Moro fez a mais devastadora delação que se possa imaginar: entregou segredos da sua relação com o presidente da República, o desnorteado Jair Bolsonaro. Em pronunciamento de despedida do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, pelo qual sacrificou a sua carreira bem-sucedida de juiz, Moro revelou que Bolsonaro queria substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, para ter uma pessoa da sua confiança no cargo, a quem pudesse telefonar e de quem pudesse receber informações e relatórios de inteligência. Em português da Barra da Tijuca, babaus para a autonomia do órgão.

      Moro resistiu. Queria uma razão para demitir o subordinado. Desconfiou de uma interferência política. Bolsonaro confirmou: “Seria mesmo”. Adeus princípios, republicanismo, Estado de Direito, os filhos acima de tudo. A preocupação de Bolsonaro é com os inquéritos correndo no STF que podem atingir seus amados rebentos. Moro contou o que contou quase sussurrando. Deixou o capitão nu sem fazer alarde. As panelas repicaram prontamente. Sérgio Moro e Jair Bolsonaro dançaram um tango desencontrado. Um queria usar o outro. Bolsonaro precisava da legitimidade obtida pelo juiz na Lava Jato. Moro queria um acesso direto ao poder. Assumiu com carta branca e saiu com carta de demissão. Aceitou, segundo sempre disse, por estar cansando de “levar bola nas costas”. Tomou várias durante a sua gestão em Brasília. A última foi a publicação no Diário Oficial da exoneração do diretor-geral da PF com o seu nome, como se tivesse assinado. O que é isso: falsidade ideológica?

      Depois de engolir muitos sapos e de silenciar diante de muitos desmandos, Moro reagiu. Humilhação pública tem limites. O sapo da vez era indigesto, vitaminado, definitivo. Depois dele, se não tomasse uma atitude, seria um capacho. O agora ex-ministro da Justiça lembrou que nem nos governos petistas, “com seus defeitos”, houve essa tentativa de interferência na Polícia Federal. E agora? Como fica o país? O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi defenestrado por excesso de competência em meio a uma crise sanitária assustadora. Moro caiu por tentar proteger as regras do jogo. Paulo Guedes anda cabisbaixo. O castelo do capitão está ruindo em tempo de real diante das câmeras.

      A delação espontânea de Moro traz à luz, para quem ainda não tinha visto por cegueira ideológica ou incapacidade de dar o braço a torcer, a concepção de poder de Jair Bolsonaro: as instituições a serviço do presidente e da sua família. Então era essa a nova política? Moro fez a sua aposta controvertida. Ajudou Bolsonaro a escalar a rampa do Planalto. Garante que não aceitou ser ministro em troca de uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Afirmou que a sua única condição foi uma pensão para a família caso algo lhe acontecesse. Como assim? Não explicou. Tinha 22 anos de contribuição previdenciária como magistrado, mas decidiu conhecer as delícias da política. Problema seu. Que ajuda poderia o Estado dar-lhe em função do seu desejo de respirar outros ares? Que acerto foi esse? Qual a sua legalidade? Está valendo ainda?

      Com suavidade, Sérgio Moro caiu atirando. Não é do seu estilo gritar ou fazer escândalos. Manteve o tom de autocontrole que gosta de exibir. Deve custar-lhe um grande esforço. Mesmo assim, em tom menor, bateu forte. Ninguém tinha feito até agora de Bolsonaro um alvo tão exposto. Com esse lance na segunda metade do primeiro tempo, Moro vira o jogo. Não irá ao STF pelas mãos de Bolsonaro. A meta agora pode ser 2022. O ex-juiz e ex-ministro está na pista. Poderá ser candidato. Tem visibilidade, admiradores, uma biografia, que andou maculando, ambição e ressentimento acumulado. Ao libertar-se de Bolsonaro, ganha fôlego para ser presidente da República. O eleitorado bolsonarista mais fanático vai detoná-lo por algum tempo. Poderá ser mais um trunfo.

      Há quem garanta que Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao tentar interferir politicamente na Polícia Federal. A pergunta passa a ser esta: sendo assim, quantos crimes de responsabilidade terá de cometer até sofrer um processo de impeachment? O decano do STF, ministro Celso de Mello, está cobrando de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, um posicionamento sobre um pedido de impeachment do presidente, feito por advogados, que dorme, junto com mais 13, nas gavetas do deputado do DEM. O cerco se fecha. O algoz não é um esquerdista furioso, um comunista insano, um globalista ferrenho, mas o quase sempre contido Sérgio Moro, o homem da Lava Jato, a figura emblemática de uma visão de mundo, o herói de muita gente.

      Em pronunciamento, Bolsonaro negou tudo. Disse que Moro foi informado da publicação no Diário Oficial e que Valeixo concordou com a saída. Meteu outra bola nas costas de Moro: contou que o ministro, nesta quinta-feira, pediu para que a troca de Valeixo só acontecesse em novembro, depois de sua nomeação para o STF. E agora? Quem está mentindo? Pelo jeito, dois homens saem menores dessa briga de rua.

Bolsonaro terá um enfim um delegado de estimação comandando a PF?


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895