Mortos e vivos na cultura brasileira
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Os três escreveram livros marcantes. Os três erraram feio no principal.
Caio Prado era marxista. A sua matriz de pensamento faliu.
Sérgio Buarque ficou famoso com um bordão publicitário: o brasileiro é um homem cordial. Ela não queria dizer gentil, se bem que jogava com a dubiedade da afirmação, mas impulsivo, emocional, dominado pelo coração. É falso. Não há essência da brasilidade. Há brasileiros cordiais e brasileiros que não o são. A tese é furada. Freyre acertou na importância da miscigenação na cultura brasileira e errou feio na ideia de que seríamos uma espécie de democracia racial. Aí está: nossos melhores pensadores deram com os burros n’água no que pensaram de melhor ou de mais original. Somos a terra de intelectualidade fracassada, mas famosa positivamente pelos seus erros infantis.
Garricha não terá sido melhor do que Pelé? O eterno camisa 10 fez mais gols e ganhou mais títulos. Esse deve ser o parâmetro? Há quem diga que não se pode comparar jogadores de posições diferentes. São os mesmos que recusam qualquer dúvida sobre o fato de Pelé ter sido o melhor de todos os tempos. Comparam, portanto, Pelé até com goleiros. Eu gosto mais de Garrincha e de Lima Barreto. Policarpo Quaresma me emociona mais do que Bentinho e seus chifres imaginários. A questão mais importante, obviamente, é: eu posso ser melhor do que Sérgio Buarque de Holanda? Lá em Palomas, alguém gritaria: “Mas vai te deitar, vira-lata!” Eu sou vira-lata. Sem complexos. Ninguém é melhor por autodeclaração. Mas não é proibido ser megalomaníaco. Para Augusto Comte, que orna a bandeira brasileira com um pedaço de frase, “ordem e progresso, nossos positivistas cortaram a palavra amor, os mortos governam os vivos. Eu me rebelo. Em nome do presente, tomo o poder.
Os mais jovens não viram Pelé jogar e talvez jamais leiam Freyre, Buarque e Caio, exceto para alguma prova de concurso. Quem escreveu “Casa Grande & Senzala?” A) Machado de Assis B) Sérgio Buarque de Holanda C) Juremir Machado da Silva D) Gilberto Freyre E) Caio Prado. Impossível? Sérgio já se tornou o pai de Chico, que um garoto petulante chamou de “esse senhor” e outro, mais humilde, de tio. Nossos elefantes deixaram marcas. Nossos contemporâneos não têm memória. Salvo o google. O último grande escritor surgido no Brasil foi Guimarães Rosa, cuja obra-prima saiu há 50 anos, em 1967. O próximo serei eu. Estou em surto? Sim? Acabou o remédio. O psiquiatra viajou. A vida é assim.
Tudo é possível. Nem Pelé está garantido.