Narciso em Palomas

Narciso em Palomas

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Tudo andava calmo em Palomas, que estava desaparecida do noticiário. Foi aí que apareceu por lá um sujeito esquisito. Assim que ele puxou um banco, no bolicho do Rubens, no meio da tarde, começou a confusão.

– Tem um baiano aí – disse um guri para a mãe.

– Capaz de ser tupamaro, benzeu-se o Natalício, sempre em clima de Guerra Fria e das ditaduras do Cone Sul.

– Pela melena, parece o genro do Chico Buarque.

– Que genro do Chico Buarque, Idalina?

– O Carlinhos Bala, ué!

– Que Carlinhos Bala, que nada, mulher. O genro do Chico Buarque, aquele que, de vez em quando, anda com um estribo amarrado na cabeça, era o Carlinhos Brown.

– O homem é mais faceiro do que chinoca de vestido novo em tarde de carreira. Mais bobo do que ganso novo. Parece a filha do Toninho Cerezzo, a Lea T, vulgo Leandrão.

– É fresco?

– Deixa de ser politicamente incorreto, Nicácio.

– Tchê, não se pode falar mais nada, que a patrulha já pega. A Marcolina também está praticando esse tal de bule comigo. Do jeito que vai, dia desses cometo um crime.

– Não é bule, animal. É bullying.

– Bule ou cambona, mulher, pra mim dá no mesmo.

– E o tal vivente que chegou?

– Ficou meia hora se olhando nas águas da lagoa. Tem grande apreço pela sua própria pessoa. Até parece gaúcho.

– Como é o nome dele?

– Chico Narciso. O padre disse que ele é narcisista.

– Falou isso? Mas que negócio é esse, Idalina?

– Olhei no gugolo. Parece que é quando alguém gosta muito de si mesmo, mais até do que dos filhos, dos pais, do Rio Grande, do Bento Gonçalves, de cachaça e jogo de truco.

– Mais até do que do seu cavalo? Só se for louco.

– É o que tá no gugolo.

– Até parece coisa de barrista.

– É narcisista.

– E o que ele veio fazer aqui?

– Disse que veio criar um CTGLS.

– Que troço é esse?

– Pelo que ele disse, antes de fechar o tempo, um Centro de Tradições Gays, Lésbicas e Simpatizantes.

– Vamos ver se ele simpatiza com o meu rabo de tatu.

– Isso te ofende? – a voz é do visitante.

– Bá, tchê, que te parece?

– Por quê?

– Preciso te explicar, tchê. Quer que desenhe?

– Não precisa. Ia ficar ilegível mesmo.

 

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