Negros no cinema

Negros no cinema

publicidade

Qualquer um sabe que há uma disparidade impressionante entre o número de negros em nossas sociedades e a representação deles nos diferentes setores da vida política e cultural num sentido estreito dessa palavra. O número de negros no Congresso Nacional brasileiro é insignificante.  Ainda chama a atenção que um negro apresente um telejornal importante ou que obtenha uma cadeira, por exemplo, no STF. Quantos negros, a propósito, estão no STF atualmente?

Uma reportagem de jornal sobre o filme “Pantera negra” trouxe dados interessantes sobre o cinema de Hollywood: “Em 900 filmes lançados entre 2007 e 2016 e analisados em uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia em Annenberg, negros estavam totalmente ausentes de 25 produções e representavam apenas 13,6% dos personagens com falas. Nesse mesmo universo, havia só 56 diretores negros, ou 5,6% do total”. O resumo é este: os brancos dominavam em 70,8%. Coincidência? Obra da complexidade das interações históricas?

Pura consequência de vários séculos de racismo.

O racionalismo abstrato conta uma história de ficção: basta dar a todos as mesmas oportunidades e o tempo corrigirá essas discrepâncias. Em vez de focar nos indivíduos concretos, mira na “mão invisível” da razão. Na prática, não funciona assim. Essa lógica serve apenas para espichar a discriminação fingindo que investe contra ela. É como se fosse uma corrida de mil metros em que os vitoriosos costumam largar 600 metros na frente. Dá para tirar a diferença?

Na média, não. Alguma exceção confirma a regra.

Se o cinema que domina o mundo dissemina heróis brancos na maioria dos seus filmes o que pretende dizer com isso?  Se o negro aparece na maioria das vezes nas telenovelas brasileiras em papéis secundários qual é a mensagem a ser decodificada? O mundo está vivendo uma época de descobrimento. Tudo aquilo que era encoberto está sendo destapado. Do assédio sexual ao racismo, tudo vem à tona. Estatísticas podem ser poderosos instrumentos de desvelamento. O encoberto salta aos olhos. Tudo se mostra.

Eu li muita história em quadrinhos na vida. Quantos heróis eram negros? Em quantas HQ o herói era o índio? Criança, essas perguntas não me ocorriam. Como se diz, a história é contada pelos vencedores. Ou era. Novas narrativas não param de surgir. Elas incomodam muita gente. Era tão confortável pensar que tudo era fruto do acaso. Meu velho amigo Armando Mattelart escreveu junto com Ariel Dorfman um livro que marcou época e suscitou muita raiva:
“Para ler o Pato Donald”. O que eles mostraram? Que havia ideologia naquelas história e personagens aparentemente ingênuos. Exageram na dose? Talvez. Acertaram na essência.

Como a gente não percebia que todas as bonecas eram brancas? Uma história depende muito do ponto de vista. Os narradores brancos narravam histórias de heróis brancos. A estrutura social branca sufocava histórias não brancas. Trazer isso à tona, segundo alguns, faz mal. Acirraria o ressentimento entre brancos e não brancos. Bastaria tomar consciência e deixar a coisa se diluir por si. Não rola mais. A mão invisível da história era branca. Cai a luva.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895