Noites, o obscuro

Noites, o obscuro

Frases do iluminista apagado

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      Personagem das madrugadas, boêmio apesar da dor nas costas e de já não poder beber álcool, Noites, o obscuro, é defensor do iluminismo, mesmo um tanto apagado. O seu lema, bastante original, é “ousa deixar de ser ignorante”. Esse apodo, obscuro, foi colado nele por invejosos, esse pessoal que não critica por medo de tomar uma invertida e não elogia para não dar o braço a torcer, esperando que o tempo os livre da presença de alguém cujo talento ilumine o fracasso alheio. Noites é um frasista. Quando não cria sacadas, copia, pois, segundo ele, a cópia é arte de segunda mão, não devendo haver privilégios para a primeira.

      “Ninguém pune a outro pelos aplausos que recebe”. Noites tomou essa frase de um conto de Machado de Assis como sua. Mas acabou por adaptá-la: “Ninguém pune a outro pelos aplausos imerecidos que recebe”. Mais tarde, criou uma variante: “Ninguém ama a outro pelos aplausos imerecidos que recebe”. Noites adora citar outro personagem de Machado de Assis, o Pestana, bom autor de polcas, que sonhava em compor coisas mais elevadas como um réquiem, e “morreu bem com os homens e mal consigo mesmo”. Noites tem opinião sobre quase tudo.

      Outra frase do Noites: “As pessoas não aplaudem o que alguém diz, mas quando alguém diz o que elas acham que poderiam dizer”. E esta: “O cronista não descreve a vida como ela é nem como deveria ser, mas somente o que ela já foi ou poderia ter sido”. Noites é fã de Marx, o Groucho, não entra em clube que o aceite e não aceita que clube o rejeite. Um dos temores de Noites, que o faz passar madrugadas em branco, é o avanço do ignorancialismo. Para ele, “a ignorância é o mal mais bem distribuído no mundo, estando ao alcance de todos sem exigir esforço nem mérito”. Daí o seu imenso poder de propagação, maior até que o do coronavírus.

      Republicano ferrenho, a ponto de não tolerar as monarquias atuais e de não ver utilidade na rainha da Inglaterra, Noites costuma dissertar sobre o tema: “Ser republicano é ter uma única família: o bem público, que não deve ser confundido com os bens dos cidadãos”. Noites sabe que é um homem sem amanhã. A sua luz já não penetra nos desvãos do poder. Resta-lhe soltar fagulhas para acender vocações.

      No passado, Noites admirou o humorista Millor Fernandes, frasista afiado da época em que piada dava cadeia, até que Millor pediu e conseguiu a cabeça de um colega de Noites por ter o infeliz jornalista dito que o humor de Millor servia no dia seguinte, como todo jornal, para enrolar peixe. Noites tornou-se um niilista. Se Millor pedia cabeças, só lhe restava meter os pés pelas mãos. Não sabia que Millor não gostava de peixe. Noites ri de si mesmo quando não está chorando. Só não gosta que riam dele. Outro ídolo do Noites era o Dias, cujas frases iluminavam a coluna do saudoso Carlos Nobre. Noites anda de lado para não ser visto de costas.

      Nos seus delírios megalomaníacos, Noites compara-se com Voltaire, criador de Cândido, o otimista convencido de que vivia no melhor dos mundos possíveis, e de Pangloss, para quem “os narizes foram feitos para usar óculos, e por isso nós temos óculos”. Nos momentos de realismo, Noites contenta-se em ser apenas um pirilampo.

Outra do Noites: de dia todos os gatos são transparentes.

 


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