Notícias do front

Notícias do front

Amigos e conhecidos atingidos

publicidade

Morreu o marido de uma amiga. Era o amor da vida dela. Estiveram juntos uma vida. Marco Antônio, Totô, um velho parceiro, grande leitor de Jean-Paul Sartre e de Simone de Beauvoir, está intubadoem Alegrete. Outro amigo especial, Wellington Pereira, dos tempos de Paris, professor na Universidade Federal da Paraíba, sucumbiu em João Pessoa. Iran Rosa, figura conhecida de Porto Alegre, foi tragado pela Covid. Nei Lisboa está internado por causa da covid e do ataque de uma bactéria oportunista. O marido de uma amiga médica teve de segurar a onda em casa, com oxigênio comprado no interior, por não ter conseguido lugar em hospital. O vírus não se contenta em atingir desconhecidos. Uma das mais simpáticas atendentes do bar da nossa faculdade, a Nívea, perdeu a luta e deixou três filhos. Todos os dias contabilizamos infecções, intubações e mortes de gente muito próxima.

A tragédia tem nome e sobrenome. Muitas vezes, atende por apelidos carinhosos, aquelas que as pessoas receberam na infância. Minha sobrinha Carol estreou na medicina, com o diploma ainda fresco, na linha de frente contra a pandemia em hospitais da Grande Porto Alegre. Meu amigo Leandro Minozzo, médico admirável pela competência e pelo zelo, ocupa-se de idosos. Vê o medo nos olhos das pessoas quando, em casa, sentem o aviso dos primeiros sintomas. Penso no doutor Fabiano Ramos, que se ocupou de mim no Hospital da PUCRS e comandou a pesquisa da Coranavac no Rio Grande do Sul. Como andará ele nestes dias de sobrecarga, de comoção e de recordes de internações! As notícias tristes pipocam.

Um cunhado espera o vírus ir embora isolado na campanha. Um radialista amigo aguentou o tranco internado no único hospital da cidade a receber pacientes de Covid com ajuda de doações de particulares. Apesar de todas essas evidências trágicas, fatos de uma realidade incontrolável, festas clandestinas continuam a acontecer, gente sem máscara circula pelas ruas, ônibus lotados atravessam o Estado para fazer compras no exterior, autoridades relativizam o perigo, pressões vencem a ciência. Meu amigo Gilberto Schwartsmann, médico renomado, me conta que a situação é desesperadora. Recebe ligações sobre como comprar respiradores. Cláudia fez aniversário, pela segunda vez, em nosso isolamento pandêmico. Comemoramos o fato de ela não ter pego o vírus e de eu estar curado.

Completei trinta dias sem botar o pé na rua. Já quase não me lembro como é passear na Redenção. Caminho na esteira. Tenho a sorte de poder trabalhar de casa. Faz um ano que adoeci, fui hospitalizado, me assustei. Em maio, combinava, como alento, passar o Natal com a família, trocar abraços apertados. Não foi possível. Agora, sonho de novo que em dezembro estaremos todos juntos. Para isso, seguindo a ciência, só há um caminho: a vacinação de todos. Por enquanto, distanciamento social é uma necessidade. Eu não saio, as notícias chegam. A lista dos sustos diários cresce. Já não faço com meu braço o meu viver. Sonho com o fim da travessia do deserto. Altero com pessimismo a canção. Meu lado otimista reage: venceremos. Se não temos o bom senso como bandeira compartilhada, ainda temos a ciência.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895