Novos golpes de Lira para vender o velho como novo

Novos golpes de Lira para vender o velho como novo

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Lira Neto ataca novamente como requentador da História.


Por favor, não me venham falar do rigor de Lira nem me perguntar se já li seus livros.

Historiadores que fazem verdadeiras descobertas permanecem na sombra e ainda são acusados de não produzirem. Enquanto isso um marqueteiro debocha de tudo mundo com falsas novidades.

*

No segundo volume do seu Getúlio Vargas, Lira Neto limita-se a “chupar” os Diários de Vargas e as memórias de Alzira, “Getúlio, meu pai” e a inventar que é material pouco explorado.

*

Prepara o terreno para o último volume.

Nova promessa de revelação de Lira (24/8/2013): “Em entrevista ao iG , o jornalista e escritor Lira Neto, autor da trilogia Getúlio (1930 – 1945 Do governo provisório à ditadura do Estado Novo), fala do fascínio pela ambivalência de seu biografado. Também antecipa que no terceiro e último volume, a ser lançado no ano que vem, quando completa 60 anos de sua morte, vai preencher uma lacuna na historiografia, mostrando que enquanto seus adversários imaginavam que estava isolado na Estância Santo Reis, em São Borja (RS), o ex-ditador Getúlio Dornelles Vargas se ocupava de intensa articulação para retornar ao poder cinco anos depois de ter sido deposto”.

Até as vacas de São Borja sabem quanto aviões desciam em Santos Reis.

Por ser ignorante, Lira Neto toma as suas surpresas como descobertas. Por ser malandro, vende-as como novidade. A mídia amiga aceita e vibra com a renovação da história do Brasil.

*

Quando saiu o primeiro volume de Lira Neto sobre Getúlio, desmascarei algumas das suas mentiras.

Foi assim.

Uma coisa é certa: quando Veja, Companhia das Letras e Folha de S. Paulo juntam-se a picaretagem é certa.

Elas se juntaram num golpe de marketing editorial: uma biografia em tom paulista de Getúlio Vargas escrita por mais um desses jornalistas vulgarizadores estranhos ao ofício, no estilo Bruno Tolentino, um certo Lira Neto.

Decidido a produzir fatores de legitimação para a sua obra, Lira Neto, na falta de novidades, passou a requentar velhas descobertas e a apresentá-las como novas. Plantou na mídia amiga, Folha e Veja, notinhas sensacionais apresentando o velho como muito novo.

Acontece que existem muitos especialistas em Getúlio Vargas e a picaretagem foi logo denunciada por Fernando Jorge, autor de dois densos volumes sobre Vargas, e por mim. O primeiro volume da biografia feita por Lira acaba de sair. A Folha de S. Paulo, desejosa de arranjar uma polêmica para alavancar as vendas do livro, lembrou-se de mim. No texto publicado por Fábio Victor, apareço lateralmente. Lira Neto, como protagonista, dita normas e desafios. Mas toma um tranco de Boris Fausto, professor da USP, biógrafo de Getúlio, grande especialista no tema. Fausto é categórico sobre a biografia de Lira:

– Não traz nenhuma grande novidade.

Lira, porém, tenta três golpes:

1)   O discurso de formatura

2)   O caso do assassino homônimo

3)   O processo de ouro preto

Vamos ao primeiro caso. Lira teria sido o primeiro a ter acesso ao discurso de formatura de Getúlio na Faculdade de Direito, em 1907. Plantou essa fantasia na coluna Radar, de Lauro Jardim, na Veja, a mesma coluna onde Carlinhos Cachoeira plantava suas intrigas. Tirou essa ideia de uma afirmação de Alzira Vargas, em “Getúlio, meu pai”, de que o tal discurso teria se tornado inacessível. Mas não para sempre. Fernando Jorge, espantado com o absurdo, fruto da conivência e da ignorância do jornalista, demoliu o besteirol e mandou carta a Jardim, que, obviamente, não a publicou.

LAURO JARDIM DIVULGOU FATOS JÁ CONHECIDOS, COMO SE FOSSEM NOVIDADES SENSACIONAIS

Fernando Jorge

Ri bastante com o procedimento do meu colega Lauro Jardim. Ele escreveu estas palavras na sua seção “Panorama – Radar”, da revista Veja: “Um Getúlio Vargas surpreendente emerge das páginas de Getúlio, o primeiro volume da trilogia que o jornalista Lira Neto lança pela Companhia das Letras em maio.” Após escrever isto, o meu colega acrescentou: “Uma das revelações do livro é o discurso de formatura do jovem Vargas, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1907. Ali, aos 25 anos, surge um Vargas seduzido pela filosofia de Nietzsche (‘esse alucinado genial’) e crítico à condição da mulher de então (‘amesquinhada, ser inferior, serpente tentadora do mal’)”. Dotados de excelente cultura, vários amigos meus se divertiram, quando leram as linhas acima. Um deles, o professor Luís Alberto Coutinho, de História do Brasil, fez diante dos seus alunos o seguinte comentário:

– O senhor Lauro Jardim divulgou na seção “Panorama-Radar”, da revista Veja, fatos já conhecidos, como se fossem novidades sensacionais, pois o escritor Fernando Jorge, no segundo volume de sua obra Getúlio Vargas e o seu tempo, publicada com sucesso em 1994, portanto há mais de dezesseis anos, já havia narrado o que o Lira Neto contou. A obra de Fernando teve tanta repercussão, que ganhou o Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História. E o professor leu, em voz alta, os trechos do meu livro nos quais evoco o discurso de formatura do moço Getúlio Dornelles Vargas, analisado por mim nas páginas 140, 141 e 142: “A cerimônia efetuou-se no salão nobre da Faculdade, em 25 de dezembro de 1907... O filósofo Nietzsche, na opinião de Getúlio, era um ‘alucinado genial’... Defende a mulher, não a considera um ser desprezível, a ‘serpente tentadora do mal’”...

Luís Alberto Coutinho, tranquilo, continuou a ler para os seus alunos o texto que Lauro inseriu na seção “Panorama-Radar”, mostrando como novidade sensacional a mesma coisa já narrada por mim. Todos alunos riram, gracejaram. E um deles falou, repleto de ironia:

– Roberto Civita, editor da Veja, e o Eurípedes Alcântara, diretor de redação desse semanário, precisam aconselhar o Lauro Jardim a não divulgar fatos já conhecidos, como se fossem novidades sensacionais. Não fica bem numa revista séria e de categoria como a Veja, aparecer notícias velhas, sabidas por todos, à maneira de quem acha que está exibindo algo novo de grande importância...

No encerramento da aula, o professor Luís Alberto Coutinho leu o epílogo do texto do Lauro Jardim, a respeito do livro de Lira Neto. Ainda julgando que ia divulgar uma bela novidade, um fato completamente desconhecido, o Lauro salientou: “Se hoje tal discurso (o da formatura de Getúlio) já causaria polêmica para um político, há 100 anos impediria qualquer carreira de decolar. Por isso os anos se passaram e Vargas trancafiou o libelo...”

Depois Lauro informa que Alzira, a filha do gaúcho de São Borja, aconselhou a Fundação Getúlio Vargas a nunca divulgar o discurso: “Não pode e não deve ser publicado, sob hipótese alguma.” Lauro Jardim concluiu: “A orientação, ainda bem, não foi respeitada por Lira Neto”. Em frente dos seus alunos atentos, o professor Luís Alberto Coutinho pronunciou estas palavras:

- Vejam agora, após eu ler um trecho do livro do Fernando Jorge, como o Lira Neto e o Lauro Jardim se especializaram no ofício de publicar notícias idosas, atacadas de reumatismo crônico. Os alunos – cabe aqui a vetusta expressão – riram a bandeiras despregadas. E com ar sarcástico o professor leu esta passagem da página 142 da minha biografia de Vargas: “Transcorridos mais de trinta anos, ao notar o interesse da filha Alzira pelo seu discurso de colação de grau, Getúlio declarou: - E agora não pode ser mais lido, quanto mais publicado.” Sentença do professor Luís Alberto Coutinho:

- Tanto o Lira Neto como o Lauro Jardim, por divulgarem fatos superconhecidos, que pensam ser novidades sensacionais, parecem dois arrombadores de portas abertas... A gargalhada dos alunos estremeceu as vidraças da sala de aula. Uma até se partiu...

Enviei uma carta ao Lauro, solicitando-lhe o obséquio de informar isto aos leitores da Veja: antes do Lira Neto, eu havia comentado o discurso de formatura do Getúlio, no meu livro de 1994. Lauro Jardim não me atendeu. Decerto raciocinou desta forma:

– Se eu atender esse sujeito, a minha imagem na Veja poderá ficar danificada, pois fornecerei uma prova eloquente de ser um falso novidadeiro. Não quero arriscar-me. Que o Fernando Jorge vá para os confins do Inferno!

*

Vamos ao segundo caso, o do homônimo assassino. Um jornalista de primeira viagem embarcou no conto de Lira.

 

Biografia de Getúlio Vargas inocenta presidente de acusações de assassinato

Roberto Kaz/Folha.com

Um ano atrás, Rodrigo Teixeira sentou-se à mesa com o editor Luiz Schwarcz e o jornalista Lira Neto para tratar de um assunto que interessava aos três: a viabilização de uma biografia sobre Getúlio Vargas (1882-1954).

Teixeira conhecera Neto alguns meses antes, quando comprara os direitos de seu último livro, “Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão” (Companhia das Letras; R$ 49,50; 544 págs.) para transformá-lo em um filme de Sérgio Machado –diretor de “Cidade Baixa” (2005) e “Quincas Berro d’Água” (2010).

Dessa vez, no entanto, Teixeira solveu investir na fonte, bancando o livro a partir da ideia.

Por telefone, Lira Neto disse à Folha que o trabalho deve levar ao menos cinco anos.

“Penso em publicar três volumes. A editora sozinha talvez não bancasse um projeto dessa dimensão; sem o Rodrigo, não haveria pesquisa”, admitiu.

Neto conta que, à diferença do que ocorreu com seus livros anteriores – ele também é autor de “Maysa – Só Numa Multidão de Amores” (ed. Globo; R$ 32; 432 págs.)–, dessa vez tem se dedicado com exclusividade à pesquisa.

Diz ter fechado o ano de 2010 “com 50 mil páginas de jornais de época, correspondências e documentos jurídicos lidos e catalogados”.

O primeiro volume, acredita, deve ficar pronto em um ano e meio. “Por ora, tenho me concentrado na gênese do personagem, no Getúlio antes de ser presidente”, diz.

Após repetidas visitas a São Borja (município onde Getúlio nasceu, no Rio Grande do Sul) e Ouro Preto (onde estudou em Minas Gerais), descobriu que Getúlio era falsamente acusado de dois assassinatos.

“Pela primeira vez alguém teve acesso aos inquéritos de dois assassinatos atribuídos pelo Carlos Lacerda a ele. Pelo menos nesses casos, o Getúlio estava limpo”, revelou.

Uma das acusações dizia respeito à morte de um cacique, em 1920, por um homem chamado Getúlio Dorneles Vargas.

“O processo se referia a esse Getúlio como nascido em ano e município que não condiziam com os do ex-presidente. Pensei: ou está errado ou é outro”, disse Neto.

Após pesquisar as certidões de nascimento, descobriu que de fato havia, no Rio Grande do Sul, um segundo Getúlio Dornelles Vargas, homônimo ao presidente.

“Era um erro histórico que estava sendo perpetuado”, concluiu Neto.

*

É de chorar de rir. Em “Getúlio Vargas: a revolução inacabada”, Lutero Vargas, no item “Os quatro crimes da Tribuna de Imprensa”, trata dos “quatro crimes de morte da vida pregressa de Getúlio Vargas”, conforme denúncia caluniosa de Carlos Lacerda em 10 de agosto de 1954.

Reproduzi isso em meu romance “Getúlio”.

Num texto para o Correio do Povo e para meu blog, em 2011, desmascarei o golpe infantil de Lira.

Como se faz um best-seller


Postado por Juremir em 13 de janeiro de 2011 - Sem categoria

Como se faz um best-seller

Picaretagem biográfica

O jornalismo cultural de Rio de Janeiro e São Paulo é feito de provincianismo e conivência com algumas editoras. A Folha de S. Paulo é assessoria da Cia. das Letras. É por isso que eu mesmo me resenho. Um jornalista chamado Lira Neto decidiu que falta uma biografia “moderna” de Getúlio Vargas, embora livros sobre a vida do presidente pululem, inclusive o meu romance biográfico “Getúlio”. Lira resolveu publicar logo três volumes. Pela poderosa Cia. das Letras. Ainda faltam pelo menos 18 meses para o primeiro volume sair, mas já pipocam as notinhas e textos sobre a obra. Como é bom ter amigos!

Há dois dias, a Folha.com, com a assinatura de Roberto Kaz, pagou um mico maior que o do Inter contra o Mazembe e o do Grêmio com suas caixas de som para a recepção a Ronaldinho. Era mais um levanta-bola para o tal Lira Neto: “Após repetidas visitas a São Borja (município onde Getúlio nasceu, no Rio Grande do Sul) e Ouro Preto (onde estudou em Minas Gerais), descobriu que Getúlio era falsamente acusado de dois assassinatos”. Uau! Qualquer um sabe disso. Está em livros, inclusive no meu. Lira é novato. A Folha engoliu a “revelação” dele: “Pela primeira vez alguém teve acesso aos inquéritos de dois assassinatos atribuídos pelo Carlos Lacerda a ele. Pelo menos nesses casos, o Getúlio estava limpo”.
Sobre o assassinato do estudante Carlos de Almeida Prado Jr., em Ouro Preto, quando Getúlio era menino, não faltam autores: Ciro Arno, Fernando Jorge, Pedro Rache.

Um dos últimos a tratar disso foi José Louzeiro, em “O anjo da fidelidade, a história sincera de Gregório Fortunato”. O inquérito é conhecido. Protásio, irmão de Getúlio, foi absolvido por falta de provas pelo juiz Augusto de Lima. O mico transforma-se em orangotango com o caso de um índio. Lira Neto para a Folha: “Uma das acusações dizia respeito à morte de um cacique, em 1920, por um homem chamado Getúlio Dornelles Vargas. O processo se referia a esse Getúlio como nascido em ano e município que não condiziam com os do ex-presidente. Pensei: ou está errado ou é outro”. Que pensador! Que dedução!
Continua a Folha: “Após pesquisar as certidões de nascimento, descobriu que de fato havia, no Rio Grande do Sul, um segundo Getúlio Dornelles Vargas, homônimo ao presidente”. Lira conclui: “Era um erro histórico que estava sendo perpetuado”. Felizmente ele apareceu para corrigi-lo. Em meu livro “Getúlio” está escrito assim: “Lutero foi categórico: ’Era outro homem com o mesmo nome do meu pai. Isso foi esclarecido na época’. No seu livro, “Getúlio Vargas, a revolução inacabada”, de 1988, Lutero Vargas trata do crime de Ouro Preto e do artigo calunioso de Carlos Lacerda, publicado em 10 de agosto de 1954, com o título de “Quatro crimes de morte na vida pregressa de Getúlio Vargas”, sendo o primeiro o assassinato de Almeida Prado e o quarto o atentado aos índios.

Lutero explica a “imputação ridícula”: “O relatório foi apresentado em 15 de agosto de 1923; um dos assassinos chamava-se Getúlio Vargas e o outro Soriano Serra. Os dois foram presos em flagrante. O que tem Getúlio a ver com isso? Somente o nome”. Lacerda era um mentiroso notório.

Lira Neto tem tudo para ser picareta histórico.

*

Como poderia comparar certidões de nascimento se uma delas desapareceu? Ou ele também a redescobriu. Já deu para compreender o método de Lira: onde houver dúvida, ele dirá que encontrou o esclarecimento. Veja e Folha de S. Paulo estarão prontas a legitimar os seus truques.

*

Vamos ao terceiro caso. Lira desafia alguém a provar que consultou o processo de Ouro Preto. Diz que o encontrou o material “intacto”. Tirou essa expressão de Augusto de Lima Júnior. Tenta confundir intacto com intocado. Mas Lima Júnior afirma que muitas pessoas consultaram o processo e o cita folha a folha. Eu poderia falar de Décio Freitas, que copiou fartamente processo à mão e me permitiu consultar o seu material. Depois, emprestou-o ao grande Luiz Carlos Carneiro que, numa noite de boêmia, perdeu a pasta com o tesouro. Poderia lembrar que uma cópia do processo chegou ao Rio Grande do Sul por obra do próprio juiz Antonio Augusto de Lima.

Citarei apenas o que está à disposição de qualquer um, inclusive do fantasioso Lira Neto, na internet.

FERNANDO GUILHERME KAUFFMANN E OS VARGAS. ESCLARECENDO O ACONTECIMENTO QUE TANTO OS APROXIMOU.

Postado por Aecio Kauffmann Colombo da Silva em 1 setembro 2010 às 11:27

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Alunos de Ouro Preto

segunda-feira, 15 de março de 2010

O primeiro e um dos grandes casos de manipulação política na questão...
FONTE: Lima Junior, Augusto de. “Serões e Vigílias. (Páginas Avulsas). Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952.

p.33

No dia 16 de maio de 1896, no interior do Café e Bilhares High-Life, à rua São José, Viriato Vargas e alguns companheiros, tiveram uma altercação com outro estudante, Carlos Prado, aluno da Faculdade de Direito, indo Viriato e Carlos Prado até um começo de luta corporal, logo apartada pelos demais companheiros de ambos os contendores. Dias depois, encontrava-se Viriato Vargas à porta do mesmo Café, quando Carlos Prado passou junto dêle –, lançando olhares provocadores e assobiando. Viriato encarando-o disse: – Quem assobia é moleque!... Carlos Prado voltando-se inopinadamente sacou de dentro do paletó um “stick”, de fios de aço trançados com uma bola do mesmo metal na ponta e com êle acometeu Viriato, ferindo-o na cabeça com enorme e funda contusão, caindo Viriato por terra desacordado. Acorreram Salomão de Vasconcelos, Francisco Nunes e Mendes de Oliveira que impediram que Carlos Prado continuasse a espancar...

p.34

...Viriato já por terra, e transportaram o ferido para a farmácia Otávio de Brito onde foi medicado. Ouro Preto, logar pequeno, tomou rapidamente conhecimento do dissídio entre os estudantes, formando-se partidos pró e contra cada um dos grupos de contendores.
A política misturou-se ao caso e o ambiente de irritabilidade recíproca agravou-se pela intrigalhada. Muito jovem ainda, os participantes dêsse episódio, não tinham êles a experiência necessária para se furtarem às influências maléficas dos que por detrás das cortinas, escorados por posições sociais ou políticas, tem por hábito servirem-se dos desavisados moços para exercerem as suas covardes vinganças. Foi nessa atmosfera de cochicos e frases irônicas, nos cafés e meios estudantis, que se agravou a tensão entre os moços citados. Alguns dias depois do incidente ocorrido no Café High Life da rua São José, verificou-se a explosão dos ressentimentos acumulados e seguidamente super-excitados pelos eternos pescadores de águas turvas... A´ seis horas da tarde do dia seis de junho, de 1896, nas proximidades da Farmacia Catão, próximo da ladeira que vai até a Capela de São José, defrontaram-se os dois grupos de estudantes que andavam em dissídio. Caminhando em direção do Rosário, pela calçada do lado direito, ia Carlos Prado com alguns companheiros, quando pelo mesmo lado, em sentido contrário, se-...

p. 35

... -guiam Viriato Vargas, Fernando Kauffman e Balthazar Patricio do Bem. Cerca de dez passos mais para trás, iam Protasio Vargas, irmão de Viriato, e outros amigos, entre os quais, o de nome Francisco Schmidt.
Moravam os riograndenses no bairro no bairro da Água Limpa, no lugar denominado Campo do Raimundo e era êsse o seu caminho habitual para o centro da cidade. Viriato que se considerava gravemente insultado por Carlos Prado, dias antes, na cena do Café High Life, encarou seu adversário com ar ameaçador, tendo o jovem paulista recuado dois passos fazendo menção que iria sacar uma arma. Ao mesmo tempo teria repetido uma expressão injuriósa com que já referira o outro no incidente do Café. Sem que houvesse tempo para qualquer intervenção de terceiros, trocaram-se tiros, entre os do grupo de Viriato e do seu antagonista, que caiu por terra ferido de morte. Evadiram-se, “in continenti”, os do grupo de Viriato sendo o infortunado Carlos Prado socorrido inutilmente na Farmacia Catão, morrendo pouco depois. Viriato fugindo, conseguiu chegar até a Farmacia de Otavio de Brito onde se medicou de um ferimento por bala e esteve oculto por mais dois mêses, até conseguir evadir-se de Ouro Preto. o fato causou sensação pública como é natural. Organisaram-se bandos armados para caçar e liquidar os estudantes riograndenses, considerados todos responsáveis pelo ato de alguns de seus co-provincianos. Êstes, acuados pelas tremendas....

p. 36

...ameacas, ocultaram-se uns, conseguindo outros sair de Ouro Preto aproveitando-se da noite, indo tomar o trem em distantes estações, da Central. Protasio Vargas, foi preso no dia seguinte pela manhã, quando tentava embarcar na estação de Tripui, vizinha de Ouro Preto. Foi reconhecido, segundo me informa Salomão de Vasconcelos, pelas iniciais P.V. que tinha bordadas no peito de camisa. Passou êle a ser figura central da mais desvairada campanha de ódios que se armou contra um jovem que toda a cidade sabia estar inocente nos sucessos, mas que se tornara um joquete de fôrças tenebrosas.
Todos em Ouro Preto conheciam os esforços de Protasio para acalmar os dissídios em que se empenhavam seu irmão Viriato e Carlos Prado. O Govêrno do Estado, envolvido nas paixões desencadeadas tomou posição ostensiva no caso. Aos funerais do inditoso estudante, compareceram o Presidente do Estado, os Secretários, inclusive o Chefe de Polícia, todos se rezevando nas alças do caixão. A congregação da Faculdade de Direito, esteve presente, incorporada. Houve, porém, um professor, o de Filosofia do Direito, que não compareceu. Êsse professor chamava-se Antonio Augusto de Lima, era o Juiz de Direito da Comarca com jurisdição no Cível e no Crime. Essa ausência justificada pela mais elementar noção de decôro de um magistrado, passou a servir de pretexto a agitações insufladas nos meios acadêmicos da Faculdade de Di-...

p. 37

... –reito por alguns despeitados por conta de terceiros mais graduados... O Juiz de Direito de Ouro Preto era um homem incontrolável por poderosos ou por quaisquer interêsses imediatos ou remotos. Mestre na Faculdade de Direito, suas lições eram consideradas luminosas por quanto as ouviam ou liam nos folhetos onde apareciam taquigrafados pelo jovem Salomão de Vasconcelos, hoje nosso grande historiador. “Petit pays, petit esprit”, dizem os franceses. O “petit esprit”, fêz nascer a inveja, a inveja o ódio e o ódio a calúnia. Foi desfechada então uma campanha subterrânea contra o Juiz de Direito que se excusara de comparecer ao entêrro da vítima de um crime que êle teria de julgar. Segundo a intriga circulante, a ausencia de meu pai aos funerais de Carlos Prado, era uma prova pública de solidariedade aos acusados, por serem êles riograndenses e meu pai ter sido colega e companheiro de casa de Julio de Castilhos em São Paulo. Ninguém se espante com uma tolice dessas. Mas era necessário desgostar o Juiz de Direito para obrigá-lo a afastar-se do cargo afim de que mãos menos rijas servissem aos designios de vingança das paixões excitadas. Enquanto prosseguia o inquérito, faziam as autoridades, sob a vigilância severa do Govêrno, todos os esforços para envolver nas malhas do processo o maior número de estudantes riograndenses em Ouro Preto.

p.38
Os autos dêsse processo estão intactos no Cartório do antigo escrivão Agostinho dos Santos, e constituem documentos dos mais valiosos para o estudo da formação brasileira. Com todos êsses, não puderam ser atingidos êsses objetivos. A prova foi reduzindo o número de acusados e, afinal a formação da culpa presidida pelo Juiz Municipal Dr. Alfredo Guimarães, tirou as últimas esperanças dos que pretendiam servir-se de um doloroso drama para intuitos políticos nacionais... O único indigitado preso era agora Protasio Vargas. Contra êle se concentravam as forças da vindicta superintendida agora pelo próprio Presidente do Estado, talvêz iludido na sua boa fé. Nenhuma prova foi colhida na formação da culpa sobre a participação de Protazio Vargas no conflito. Mas como os outros supostos responsáveis haviam fugido e Protasio era o único preso, contra êle se concentraram as atenções daquêles homens que se arvoravam em anjos vingadores da morte de Carlos Prado. Foram pronunciados pelo Juiz Alfredo Guimarães, os indigitados Viriato Vargas, Balthazar Patrício do Bem, Fernando Kauffman, Protasio Vargas, e Francisco Schmidt, e impronunciados dois ou três obscuros e vagamente referidos no processo. O refem Protazio Vargas, único recolhido à Cadeia Pública de Ouro Preto, sofria na prisão os vexames mais atrozes. Seu correspondente, um negociante do bairro de Antonio Dias, pro-...

p.39
... –videnciara abrigos contra o frio e alimentos que deveriam se fornecidos pelo Hotel Martinelli.
Pois, por pressão de alguns estudantes, o carcereiro por vários dias reteve o colchão e cobertores, fazendo o preso sofrer rigores do inverno ouro pretano. Quanto às refeições enviadas pelo hotel, às dez horas da manhã, sòmente eram entregues ao preso às duas horas da tarde, remexidas ou poluidas. Levada a reclamação ao Juiz de Direito que era meu pai, e sob cuja jurisdição já se encontrava o preso, teve êle que tomar severas providências junto ao Chefe de Polícia. As cópias dêsses ofícios reclamando contra os vexames ilegais inflingidos ao acusado preso Protasio Vargas, revelam por parte do magistrado, um alto grau de coragem e consciência do cumprimento do dever. Quando em gráu de recurso foram os autos conclusos ao Juiz de Direito, recrudesceram os esforços vingativos para que sob a mais tremenda das pressões, fôsse “in totum”, confirmada a pronúncia dos implicados. Gastão da Cunha, foi encarregado da missão de fazer sentir ao Juiz de Direito, que o Govêrno do Estado, no intuito de desagravar os melindres de Minas, que diziam feridos no episódio, fazia questão fechada de que se desse aos riograndenses uma “lição em regra”, processando-os a todos. A resposta de meu pai a Gastão da Cunha foi que, como magistrado, não transigia no cumprimento dos seus deveres e que sòmente de-...

p. 40

...-cidiria de acôrdo com a prova dos autos. Que não poderia tomar conhecimento de qualquer insinuação, partissse de quem partisse, fôssem quais fôssem as conseqüências. Gastão da Cunha que tinha relações de intimidade com meu pai, ouviu-lhe silenciosamente a resposta dada e justificada com certa veemência. Ao despedir-se disse ao seu amigo Juiz de Direito de Ouro Preto: – “Antonio Augusto! Você tem tôda a razão. Êsses sujeitos (os do govêrno) são uns canalhas, mas eu preciso dêles...”. E saiu. Nêsse momento chegou a Ouro Preto o General Manuel Vargas, pai de dois dos indiciados, que ali fôra ter afim de cuidar da defesa dos seus filhos..
Êsse homem depois de visitar seu filho preso na Cadeia de Ouro Preto, com a alma dolorida ainda pelo emocionante encontro, foi à nossa Casa do Rosario visitar meu pai e agradecer-lhe as providências que haviam sido tomadas para a salvaguarda da vida do seu filho. O General Manuel Vargas, portou-se como um perfeito cavalheiro. Disse a meu pai que fôra a Ouro Preto tratar da defesa dos seus filhos, e que regressava ao Rio Grande confiado em que, fora das sanções legais em que acaso incorresse, sentia-se seguro de que nenhum mal lhes seria feito. Com tôda a dignidade não pronunciou uma só palavra que importasse em pedido de favor a seus filhos, por parte do magistrado que o recebia. Nenhuma palavra mais trocaram em Ouro Preto o General...

p. 41
... Manuel Vargas e o Juiz de Direito Augusto de Lima.
Pois logo à saída do General Manuel Vargas de nossa Casa do Rosário, alguem tratou de espalhar pela cidade a notícia de que êsse angustiado pai levara ao Juiz de Direito uma ordem de Julio de Castilhos para despronunciar os rio-grandenses...
Dias depois de receber os autos do processo, o Juiz Antonio Augusto de Lima, contra a vontade do Gôverno do Estado, de alguns estudantes e demais interessados, publicou sua sentença. Nêsse despacho, despronunciava Protazio Vargas, o único acusado preso, e confirmava, no mais, a decisão do Juiz Municipal Dr. Alfredo Guimarães.
Êsse ato do Juiz de Direito, fêz explodir a exaltação dos coléricos anjos vingadores. Alguns estudantes, tentaram, aliás sem êxito, um movimento de protesto coletivo contra o professor Carlos Prado e ainda por cima, despronunciava contra a vontade dêles estudantes um dos acusados por êles... Ficou combinado que na primeira aula a que comparecesse o professor Augusto de Lima, ao subir êle à Cátedra todos os alunos se retirassem da sala e o aguardassem à saída da Faculdade, dando-lhe uma estrepitosa vaia. Convidaram os estudantes de outras escolas e preparavam-se para o grande dia. No dia aprazado foi meu pai, como de costume, dar a sua aula. Nêsse dia o recinto estava à cunha, aguar-...

p. 42
...-dando os promotores a hora da desfeita ao mestre. Falhou tudo... Meu pai avisado da ocorrência por estudantes seus amigos, sabendo embora do que se tramava, subiu tranquilamente á Cátedra. Começou dizendo que sabia que lhe estava preparada uma ruidosa e violenta manifestação do desagrado, mas que antes dela, devia como mestre de futuros magistrados, dar-lhes uma lição que lhes seria útil, de como deveria em quaisquer situações, um Juiz cumprir o seu dever. Explicou os fundamentos da sentença e analisou os acontecimentos com serenidade e elevação. Discorreu sob um silencio absoluto, prendendo a atenção de quantos o ouviam. Os promotores do agravo foram se esgueirando pela porta, à medida que o mestre intrepidamente verberava aquêles ódios indignos do coração da mocidade. Mal concluia as últimas palavras, uma estrepitosa salva de palmas saudou o malsinado Juiz-Professor. Fracassara o desacato que se convertera em apoteose á vítima da sanha manobrada por mãos ocultas. O Juiz de Direito agiu como devia. Procedeu como qualquer homem reto diante da límpida prova dos autos.

Êsse processo famoso, desde que o Sr. Getulio Vargas assumiu o poder no Brasil tem sido consultado com freqüência por interessados em encontrar nêle material adequado a retaliações políticas. Mas os que consultam encontram justificada a despronúncia de Protazio Vargas, título de glória para a memória de meu pai, que soube ser um magis-...

p. 43

...-trado digno nêsse transe terrível.......
Foram despronunciados, em gráu de recurso, Protazio Vargas, Francisco Faria e um outro. Fernando Kauffman apresentou-se, foi submetido a Juri, um ano depois, sendo absolvido. Nêste processo depuseram sete testemunhas no inquérito, à revelia dos reus, na formação da culpa presente o reu Protazio que fôra preso. Nunca ficou apurado convenientemente qual o tiro que abatera Carlos Prado. Se fôra de Viriato Vargas, Balthazar do Bem ou de Fernando Kauffman. Protazio Vargas, conforme ficou plenamente provado pelo depoimento das testemunhas, a que assistiu o promotor, procurou por todos os meios ao seu alcance evitar que o seu irmão tomasse parte no desfôrço a que o incitavam outros amigos. Sua presença no local do conflito, alias vagamente aludida pelas testemunhas, não tinha relação com o...

p. 44

... que depois se passou e não era, no conceito das testemunhas, senão um meio de evitar que seu irmão agisse precipitadamente.
Vejamos as testemunhas do processo. A 1ª testemunha, a fls. 99, julga que Protásio estivesse no grupo “não tendo, entretanto, o reconhecido por tê-lo visto repentinamente e confundindo-o como Faria. Havia 4 pessoas no grupo, das quais afirma que três estavam armadas, Viriato, Kauffman e Balthazar do Bem. Não pode afirmar a coparticipação de Protásio”. Poderia algum Juiz basear pronúncia nêste depoimento? A 2ª testemunha a fls. 112, “não pode afirmar se Protazio atirou, embora o julgue solidario com seu irmão Viriato, mas não pode afirmar que Protazio era solidário com Viriato para matar Carlos Prado. Não viu Protazio proferir palavra nem fazer gesto que animasse o crime”.

A 3ª testemunha a fls. 123, “não ouviu dizer que Protazio agredisse de qualquer modo a Carlos Prado”.
A 4ª testemunha a fls. 132, “tem certeza de haverem atirado Balthazar, Viriato e Kauffman; não viu Protazio no conflito”. A 5ª testemunha ouviu dizer que os criminosos são Viriato, Balthazar e Kauffman e que a princípio ouviu falar na participação de Protazio, mas depois não ouviu mais. A 5ª testemunha a fls. 150, ouviu falar na participação de Protazio mas não tem certeza se isso é verdade”.

p.45

A 7ª testemunha a fls. 154, viu distintamente atirarem Balthazar do Bem, Kauffman e Viriato, e não viu fazê-lo Protasio. Não viu Protasio praticar qualquer ato de agressão ou animar os agressores a que o praticassem contra Prado.

Nenhum Juiz digno dêsse nome seria capaz de manter a pronúncia de um indiciado contra o qual não existia o menor resquício de prova na participação de um delito. Sem dúvida que foi necessária uma grande energia moral por parte do Juiz Augusto de Lima para cumprir a Lei exculpando o inocente. O tempo passa, as paixões amainam e os documentos escritos ficam para a análise da posteridade. E dêles surgem as sentenças que honram a cultura de um povo e incitam os homens a elevar-se no cumprimento da sua missão e de se colocarem AO LADO DO DEVER E AO LADO DA JUSTIÇA, custe o que custar!

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Lira Neto não passa um de humorista. A sua contribuição para a sociologia da mídia é extraordinária. Permite provar como funciona o jogo de compadres baseado nos interesses comerciais, na conivência e na ignorância.

 

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