O começo da era Trump

O começo da era Trump

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Um novo tempo começa sob o signo do pior. O reinado de Donald Trump, o ogro do Norte, o algoz do politicamente correto. Ele não foi o mais votado diretamente na eleição contra Hillary Clinton. Teve quase três milhões de votos a menos. Na chamada maior democracia do mundo não vale a regra “cada cabeça um voto”. Está no regulamento. Cumpra-se. Por que não mudá-lo? Trump assumiu o poder com o menor índice de popularidade de um presidente estreante nas últimas décadas, com míseros 40% de aprovação popular, atrás de nomes como Barack Obama, Bill Clinton e de George Bush.

Teve mais gente na manifestação das mulheres contra Trump do que na sua posse.

O novo presidente prefere brigar com as fotos do que admitir sua impopularidade.

Quanto pior, pior.

Donald Trump venceu por ser o pior. Fez dos seus defeitos qualidades apreciadas pelos ressentidos. Explora os baixos instintos e os altos egoísmos. Diz o que o senso comum de direita quer ouvir e repetir. Defende protecionismo num país que obriga o planeta a abrir-lhe as suas fronteiras. Prega a discriminação e a xenofobia numa nação que se alimenta da diversidade. Aponta culpados estereotipados sem jamais assumir responsabilidades. Donald quer reeditar uma velha filosofia ampliada: da América para os americanos ao planeta novamente para os Estados Unidos. Velho porrete.

Neste tempos de ascensão do conservadorismo elitista, sob a aparência de populismo igualitário, Trump pode fazer escola. Muita gente está animado pelo mundo. Por que não Marine Le Pen na França em 2017? Por que não Jair Bolsonaro na presidência do Brasil em 2018? Há muito em comum entre os dois: ambos simplificam para atingir o entendimento de uma parte da população, aquela que acredita na ideologia do chicote. Trump representa a vitória da pobreza intelectual e o triunfo do dinheiro como valor máximo. A diferença entre Bolsonaro e Trump está na conta bancária.

Bolsonaro tem teto baixo. Dificilmente passará dos 10% nas preferências de voto dos brasileiros.

Tucanos voam mais e melhor do que um falcão solitário e estabanado.

O pior, por enquanto, é Donald.

A chegada de Trump ao poder tem ao menos uma virtude: liquida o discurso hipócrita de que as pessoas estão cansadas de ideologia e de radicalização. Trump, como Bolsonaro, é a imagem mais acabada do que, faz alguns anos, era chamado de xiita, o fundamentalista, extremista, fanático, enlouquecido por suas convicções. O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, que não tem no currículo título de esquerdista, sustenta que o melhor para os Estados Unidos seria o outro Donald, o Pato. Mas Pato Donald era um ingênuo, personagem assexuado, estranho à política. Tudo mudou.

Um novo tempo começa. Saiu o elegante e conciliador Barack Obama. Entrou o belicista Donald Trump. Saiu o presidente negro. Entrou o branco racista. Saiu o advogado democrata que trabalhou com direitos humanos e populações vulneráveis. Entrou o empresário republicano que pretende construir um muro para isolar os Estados Unidos do México. Saiu o criador de um sistema de saúde para todos e entrou o defensor de que saúde é um problema individual.

Trump não está sozinho. Um ciclo se fecha. O mundo vira à direita ao som das novas fanfarras. O problema de Trump é que até a direita, mesmo parte da direita brasileira, se apavora com ele. Vitória da sociedade do espetáculo, dos reality shows e das visões de mundo expeditas: “Você está demitido”. O novo homem mais poderoso do mundo não passaria num teste de geopolítica elementar. No seu mapa a palavra complexidade não existe. Sentiremos saudades de Obama, de Clinton e talvez até dos Bush. A era Trump começa como um funeral da democracia. Pode ficar pior.

A França tem eleição em 2017.

O Brasil, em 2018.

 

 

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