O dia dos vices

O dia dos vices

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Dar as cartas

 

      É sabido que o PT gosta de dar as cartas. Quer ter sempre a chamada cabeça da chapa. Ainda mais quando seu candidato lidera as pesquisas. Muita gente acreditava que na atual conjuntura seria melhor para o PT ser mais humilde e apostar num aliado, o pedetista Ciro Gomes. Mas, do fundo da sua cela, Lula vislumbrou uma chance de vitória para um petista. Basta que o confronto, no segundo turno, se dê com Jair Bolsonaro. Parte dos eleitores, mesmo tendo rejeição ao petismo, votaria no indicado por Lula para evitar um mal maior, a eleição do temível capitão Bolsonaro.

Baseado nesse vislumbre Lula mandou implodir a candidatura de Ciro Gomes, potencial predador de votos petistas no Nordeste. Foi como esmagar um mosquito. Ciro foi à lona. Ainda pode virar vice de Lula se realmente souber engolir sapo. A estratégia segue duas linhas paralelas. No primeiro cenário, o TSE cochila e admite que Lula concorra. No segundo cenário, Lula é barrado, mas já acumulou capital para legar ao seu substituto, que, para ganhar de Bolsonaro na etapa final da disputa, precisaria ter alguns atributos: juventude, suposta modernidade e não ter o nome em algum papel da Lava Jato. Além de aceitar atuar como reserva de Lula como vice-presidente sem a certeza de virar plano B na hora fatal.

Esse figurino cabe direitinho em Fernando Haddad. Falta combinar com o eleitor. A estratégia ideal é um pouco mais complexa. Fazer uma coligação com o PCdoB, registrar Manuela D’Ávila como vice de Lula, esperar o momento certo para trocar Lula por Haddad e ir às urnas com a dupla Haddad-Manuela. O problema é que está muito difícil sustentar a ascensão do poste Haddad contra a popularidade e o carisma de Manuela. No popular, não teria como tirar Manuela da condição de herdeira da cabeça da chapa. Haddad teria de entrar como vice. É algo que não cabe no imaginário petista. Argumentos surgem aqui e ali para tentar convencer Manuela a aceitar ser vice de Haddad: ele, por ser mais velho, teria mais condições de conquistar votos de um eleitoral digamos menos ousado. A decisão pode sair neste sábado. O TSE puxou de 14 de agosto para 6 de agosto a definição do vice. Mais uma manobra para encurralar o PT. Lula resiste.

A dificuldade de construir essa solução empurra o PT para a chapa pura Lula-Haddad e, impugnada a candidatura de Luís Inácio, Haddad-outro petista. Críticos do PT consideram essa opção suicida. Seria provocar onça com vara curta. Perguntam: por que Ciro Gomes não poderia fazer pelo país o mesmo que um petista como Fernando Haddad? Por que o candidato do PT precisa sempre ser um petista? O PT defende um projeto para o Brasil ou para o petismo? Na hora do aperto é razoável destruir o parceiro mais competitivo em vez de fortalecê-lo para uma aliança em torno de um programa? Lula se vê como essencial? Álvaro Nunes Larangeira escreveu um livro sobre o petismo: uma religião monoteísta.

A conclusão é poética: Lula acredita que será candidato, assim como os petistas achavam que ele não ficaria mais de três dias preso, e banca-se contra as evidências para não cair na real. Ou, num delírio de grandeza, aposta que ainda elege qualquer poste e finca pé: é ele ou um petista. Ninguém mais. Sonhará, em última instância, em governar da prisão, recebendo a cada semana, ou dia, um emissário do presidente para receber instruções? Um petista dissidente sussurra: “Enquanto Lula reinar não teremos uma frente de esquerda”. O lulismo não cede. Talvez tenha razão. Lula, da cadeia, dá as cartas, lidera as pesquisas, recebe mensagens do Papa, visitas de Chico Buarque e de Martinho da Vila, apoio de juristas e políticos estrangeiros, tudo. Se a turma vacilar, ganha a eleição. Política é a arte da paciência com ou sem Rivotril.

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Não há jogo jogado antes do apito final. A senadora Ana Amélia Lemos estava perdendo em casa. Ao contrário do seu desejo, o PP teria candidato próprio ao Piratini, Luís Carlos Heinze, que apoiava Jair Bolsonaro ao Planalto. Ana Amélia preferia que seus Progressistas marchassem ao lado do jovem tucano Eduardo Leite. Ela queria concorrer sozinha à reeleição ao Senado. A aliança com o PSL obrigava-a a engolir a parceria incômoda e talvez improdutiva de Carmem Flores. Ao aceitar o convite de Geraldo Alckmin para ser sua vice, Ana Amélia virou o jogo. Deu nó tático. Tirou o PP do colo de Jair Bolsonaro. Acarpetou o ninho tucano. Só que a base do PP resiste. Não vive sem Bolsonaro.

Se Ana Amélia confirmar a sua vitória, Heinze terá de contentar-se com a disputa por uma vaga ao Senado. Leite ganhou reforço. Sartori sente o aperto. Bolsonaro desmorona. Em 1950, o PSD lançou Cristiano Machado à presidência da República. Os pessedistas votaram em Getúlio Vargas, candidato do PTB. Criou-se o verbo “cristianizar”. Indica um, vota em outro. O PP gaúcho vai cristianizar Alckmin seguindo o rumo do seu próprio coração e votar em Bolsonaro? É muito provável. É difícil negar a própria natureza. O deputado Onyx Lorenzoni, articulador de Bolsonaro no Rio Grande do Sul, foi quase a nocaute. O seu edifício ruiu em segundos. Lorenzoni quer ser ministro da Defesa do capitão. Precisa por enquanto ir ao ataque. Ou revira o jogo ou Bolsonaro ficará sem palanque no Estado que mais o ama.

As chances de Ana Amélia virar vice-presidente da República, apesar do mau desempenho de Alckmin até agora nas pesquisas, são consideráveis. O problema do tucano é chegar ao segundo turno. Estando lá, vira favorito contra Bolsonaro, ombreia com Ciro e Marina, não teme poste petista e só empaca diante de Lula, que, se puder concorrer, talvez empalme a taça no primeiro turno. Ana Amélia tirou o PP pelos cabelos do precipício no qual se atirava com gosto. A senadora despertou a ira de parte dos seus eleitores. Está jurada por muitos deles. Entre o currículo e a biografia, ficou com a última? Um segundo turno entre um petista e Bolsonaro pode desmentir essa ideia.

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Na sabatina da Globonews, Jair Bolsonaro deu o drible da vaca na bancada de entrevistadores.

Leu editorial de O Globo em favor do golpe de 1964.

Perguntou se, em consequência disso, Roberto Marinha fora democrata ou ditador?

Miriam Leitão ficou vermelha de raiva.

Bolsonaro debochou: brincou que terá dois ministros dentre os que o entrevistaram.

O homem nada sabe de economia e de história, mas é campeão de provocações.

Levou a Globo a lamber o tatame.

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