O melhor e o pior de Chico Buarque

O melhor e o pior de Chico Buarque

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Chico Buarque é um poeta genial da música popular brasileira. Só um néscio diria o contrário. Já o escritor Chico Buarque é mediano. Faz boas frases, mas não consegue a magia do conjunto. Michel Houellebecq, em Submissão, dá a fórmula: musicalidade da frase mais qualidade da reflexão do narrador/autor. Chico Buarque não passa no segundo quesito. A reflexão é próxima do zero. Não produz descobrimento. O seu último romance, O irmão alemão, é o pior que já escreveu. Mexe num segredo de família, mas não tem coragem de explorar os podres domésticos até o fim. O resultado é um texto covarde, complacente e oportunista. Explora o sensacionalismo da coisa sem questionar as contradições mais secretas da alma do pai.

O escritor Chico Buarque segue o método do autor amador que escreve para preencher o tempo da aposentadoria. Faz memorialismo. Salpica nomes de carros e outras marcas para dar um ar de época. O irmão alemão conta a história do filho que o pai de Chico, Sérgio Buarque de Holanda, teve na Alemanha, em 1930, e do qual jamais se ocupou. Resumo cru da tragédia: jovem correspondente de um jornal de Assis Chateaubriand na Alemanha, Sérgio Buarque engravidou uma alemãzinha e deu no pé para o Brasil. No romance, Sérgio volta ao Brasil no oitavo mês de gravidez de Anne, que, já em 1931, escreve para reclamar do seu silêncio e fala da importância de dar um sobrenome ao filho. A documentação existente no livro, mostra que em 1934 autoridades nazistas escreveram a Sérgio Buarque: “Já anos atrás entrei em contato com o senhor (...) a fim de obter (...) pensão alimentícia (...) infelizmente minha tentativa resultou vã”.

O irmão alemão de Chico Buarque foi entregue pela mãe a um orfanato. O narrador Chico Buarque especula sobre tudo, menos sobre o desinteresse do pai: não questiona se ele pensa no filho alemão, se tem remorsos, se sente culpa por ter um filho abandonado num orfanato, se sonha em conhecê-lo, nada. Até o desculpa: “seja porque meu pai perdeu a correspondência do consulado dentro de sabe lá que livro”. Chico não quer julgar o pai. Já a alemã recebe alfinetadas: “É difícil acreditar que essa Anne a olhar o filho com devoção seja mulher de o abandonar num orfanato”. O pai é novamente desculpado. Não deve querer ferir a esposa falando de Anne “depois que a megera abandonou a criança a cargo do Estado”. Em 1932, propõe às autoridades alemãs trazer o filho para o Brasil, mas, não sendo possível, oferece uma pensão em tom protocolar. Pelo jeito, a carta não chegou. Em 1937, desculpa-se por não ter conseguido as certidões de nascimento necessárias para provar a religião da família de modo a facilitar que o filho seja adotado e repete a proposta com o mesmo tom burocrático: “Não seria possível enviar uma soma mensalmente para o sustento do menino?”

É tudo. O pai de Chico fuma, tosse, lê e vive alheio ao mundo. É um personagem sem psicologia. Foi um homem do seu tempo. Teve um filho antes de casar, não deu muito bola ao assunto e tocou a vida. Fustigado, tentou molemente remediar. O filho alemão foi cantor na Alemanha comunista. Morreu em 1981. A crítica amiga ignorou esse aspecto da obra. Um escândalo de complacência. Afinal, era assim.

O Irmão Alemão justifica timidamente o pai.

Uns escrevem sobre os filhos. Outros, agora, sobre os pais.

 

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