O mito da impunidade no Brasil
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Impunidade para quem, cara pálida? Por que cara pálida?
Pelo simples fato de que é preciso mostrar a face descolorida ao sustentar tamanho absurdo.
Pode não haver punição para a turma dos camarotes. Já a plebe é punida até por respirar. Fernando Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Antes disso, sofreu a punição da perda do mandato. Só Lula e Fernando Henrique Cardoso escaparam ileso dos maiores escândalos dos seus governos, o mensalão e a compra da emenda da reeleição. O resto do país paga o pato. O recente linchamento de uma mulher em São Paulo rasga a bandeira do excesso de punição. A culpa é da mídia sensacionalista que vive falando da falta de punição e desejando uma justiça mais expedita. Não é a impunidade que incomoda, mas o ritual jurídico. Há suspeita, é culpado. Para que toda essa história de provar? Por que só aceitar provas legais?
A mídia tem pressa. Quer baixar a idade penal para colocar crianças na cadeia. A mídia é medieval. Só acredita no fogo do inferno. Quer cadeia para tudo. No limite, quer mais do que isso. Flerta com o linchamento. Nas entrelinhas, estimula a justiça com as próprias mãos. Detesta a “infinidade” de recursos em favor do acusado. Ignora que a justiça deve proteger o réu de qualquer condenação mal sustentada. O povo, como se diz, quer sangue. Certa mídia adora provocar o lado obscuro da violência do “bem”. Se deixa-la liberar os seus instintos, não haverá cadeia que chegue. Em termos de perspectiva psicossocial, essa mídia é comportamentalista. Só acredita em punição e recompensa. É cenoura e chicote. Nada mais.
Essa tendência ao simplismo conquista a adesão primária. Mas tem seu preço. O linchamento da mulher em São Paulo coloca essa mídia no banco dos réus. É aquela que só se contentaria com prisão perpétua, pena de morte e, por que não?, olho por olho e dente por dente. Estamos avançando para trás. Se essa mídia triunfar, roubo de galinha dará 30 anos de cadeia. Sem direito à progressão de pena. O populismo midiático, defensor de sempre mais repressão nas formas mais vingativas, anda na contramão dos estudos mais especializados.
Colocada diante dessa informação, a mídia defende-se com o seu tradicional desprezo pelo mundo dos intelectuais fora da realidade.
– Os intelectuais estão descolados da sociedade – diz-se.
Muitas vezes se deve ao fato de os intelectuais estarem mais adiantados. O sistema punitivo precisa ser reinventado.
O furor repressivo é uma tara de senhor de escravos.
Ou é mito?