O portal, o varal e o correspondente internacional

O portal, o varal e o correspondente internacional

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Rimou.

Mas não devia.

Quando eu era criança, em Palomas, acordava e sentava na soleira da porta.

Ficava ali, remelento, sonhando com outros mundos.

Queria viajar.

Minha mãe, depois de algum tempo, ralhava:

– Sai do portal, guri, vai lavar essa cara.

Eu persistia.

Meu pai, então, exclamava:

– Esse guri vive com os pés na lua e a cabeça mais longe ainda.

Era verdade.

A minha preguiça era tamanha que eu sentia vontade de ser pendurado no varal.

Espreguiçar-se virou alongamento.

Alguém que deve ter sentido a mesma coisa inventou o pilates.

No portal ou me imaginando no varal, em meio às roupas esvoaçantes, eu sonhava com trens, aviões e navios.

Quando fui correspondente internacional, entre 1993 e 1995, cobri muitos festivais de cinema – Berlim, Cannes e Veneza.

No Lido, em Veneza, depois de um dia estafante de trabalho, sentei-me numa escadaria e fiquei contemplando a paisagem. Passou uma senhora, magra, lânguida, elegante, uma beleza estranha, e comentou, em francês, com sua amiga:

– Esse aí está sentado no portal.

Era Geraldine Chaplin.

É meu destino.

Hoje, levantei e me sentei no portal.

Fiquei lembrando dos meus projetos palomenses, das minhas andanças como correspondente, das minhas viagens pelo mundo e, principalmente, das minhas viagens interiores. Tive vontade de ser pendurado no varal. É a chegada de velhice. Preciso, cada vez mais, de alongamento. Estava assim, remoendo essas constatações e memórias, quando a Cláudia disse:

– Sai do portal, Juremir.

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