Opção existencial

Opção existencial

Trocar a política pela agricultura

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      Conto-lhe tudo, disse generosamente Patrício. Tenho tempo, ânimo e não preciso de papel. Posso resumir tudo em alguns minutos, garantiu. Antônio temeu a oferta. Pensou em horas. Tentou defender-se:

– Isso me lembrou daquele personagem do Machado que só tinha papel.

– Qual Machado?

– O único que conta.

      Patrício não percebeu a ironia nem se lembrou do próprio sobrenome. Estava disposto a contar tudo. Tinha o que mais assusta um interlocutor indefeso: ânimo e tempo. O tempo acaba. Mas o ânimo!

– Deixo a política – anunciou.

      Antônio não sabia se isso era bom ou ruim. Tateou o terreno. Não queria fortalecer o ânimo do outro com a expressão de alguma curiosidade. Estavam no mesmo quarto de hospital. Tinham muito tempo.

– Vou me dedicar à agricultura.

– Tem terras?

– Um bom balcão no meu apartamento.

      Com fartura de detalhes, Patrício começou a contar da sua decepção com a política. Tentara quatro vezes se eleger vereador. Por fim, quis ser prefeito. Tinha programa bom, assegurava, dinheiro das suas economias para a campanha e ânimo. Só lhe faltavam os votos.

– Tenho plantado muito e colhido pouco – lamentou-se.

– O balcão deve ser mais fértil – arriscou Antônio.

      O consolo não animou nem desanimou o outro. Estava determinado a revelar os seus desgostos e descrever os seus projetos agrícolas.

– A política divide – informou.

– A agricultura de apartamento une – ousou o Antônio.

      O futuro agricultor pareceu aborrecido com a interrupção. Tinha pressa em contar lentamente o que lhe acontecia. Queria ser técnico. Só lhe falavam em ideologia. Pretendia acabar com tudo o que fosse inútil na vida pública: a retórica, a demagogia e os interesses particulares. Havia passado por cinco partidos na sua ânsia eleitoral reformista: um de esquerda, outro de direita e três de centro (centro esquerda, centro direita e centro “centro”), explicou. Saía por não se sentir entendido. Não lhe davam ouvidos. Pensara até em fundar o seu próprio partido, mas lhe faltava uma ideologia. Além, claro, de militantes, filiados e de um papel. Ânimo e tempo não lhe faltariam.

      Ainda era novo. Estava era cansado de semear em terra árida. Depois de quatro horas de discurso ainda estava iniciando o relato. Decidira comentar o problema da política desde a chegada de D. João. Ainda não havia alcançado a declaração da Independência quando entraram enfermeira e médico. Houve uma pausa de 15 minutos para a saúde. Vencido o obstáculo, ele retomou a narrativa do mesmo ponto. Assim passaram uma semana enquanto aguardavam cada um o seu destino. Era só uma questão de vaga para procedimentos tidos por simples. Quando chegou, enfim, a vez de Antônio ser levado para a cirurgia, Patrício saltou da proclamação da República para algo mais próximo:

– O que acha que devo plantar no meu balcão?

– Batatas – respondeu gentilmente Antônio.

*

Frase do Noites, o iluminista obscuro que anda meio apagado: “Contra os extremistas use uma estratégia radical: seja razoável”.


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