Pantera Negra, o filme

Pantera Negra, o filme

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Meus heróis nem sempre são os mesmos nem vivem como nossos pais. Faz tempo que larguei as histórias em quadrinhos e nunca mergulhei no universo dos games. Muito menos dos filmes de super-heróis. Não me fecho, porém, para experiências renovadoras. Fui ver “Pantera Negra”, filme dirigido por Rayan Coogler. Apesar de ter, na minha opinião de homem de cabelos brancos, como público-alvo crianças e adolescentes, gostei dos seus tantos significados simbólicos. Negros ocupam os papéis principais. Uma jovem negra é a grande cientista, aquela que desenvolve as tecnologias mais avançadas. O herói e o vilão são negros. O americano branco não passa de um coadjuvante desajeitado.

A história tem um eixo interessante: isolar-se numa tradição cultural ou buscar vingança contra o colonizador e escravizador branco? Abrir-se para ajudar o mundo com a tecnologia desenvolvida por um pequeno país negro ou fechar-se para não fazer guerras contra povos soberanos mesmo que praticantes da injustiça e da desigualdade? “Pantera Negra” está engolindo gigantes nas bilheterias dos cinemas. Imagino a alegria e o orgulho de um menino negro vendo o filme. Pantera Negra, primeiro super-herói africano de HQ, criado por Stan Lee e Jack Kirb, em 1966, encarna dilemas autênticos e dilacerantes.

Um dos pontos fortes da história é a inexistência de maniqueísmo. O antagonista não é um simples bandido ganancioso, mas alguém com razões, motivações e objetivos perfeitamente aceitáveis no contexto do acontecimento. Se o novo rei quer paz, equilíbrio e justiça, o desafiante, cujo pai foi assassinado, planeja libertar o mundo e vingar-se dos opressores. Spoiler? Boas histórias resistem a qualquer resumo. Ninguém deixará de apreciar “Grande sertão: veredas” por saber que, no final, se revelará que Diadorim é uma mulher.

Histórias para funcionar dependem normalmente de três fatores: uma forma nova, um conteúdo novo ou um novo ponto de vista. Quando um autor consegue fazer essas três coisas ao mesmo tempo cria uma obra-prima ou não é entendido por ninguém. Ou uma obra-prima incompreendida. Os grandes autores precisam inventar o próprio público com novas categorias de percepção e interpretação para reinar. Hollywood vive mais em busca de satisfação de necessidades simbólicas identificadas por pesquisa ou produzidas artificialmente do que de choques na mente dos espectadores. O cinema equilibra-se entre arte (liberdade total) e indústria cultural (interesse econômico imediato).

Para o cinema mainstream contar uma história do ponto de vista dos negros ainda é uma novidade. Colocar um negro como super-herói representa uma revolução paradigmática. Um elenco inteiro de negros desarruma o imaginário disseminado internacionalmente em que os brancos dominam os bons papéis e recolhem os louros das melhores vitórias. “Pantera Negra” vale a decisão de ir ao cinema para ver uma mescla de HG, videogame, fantasia tecnológica radical e alguns clichês de gênero. Um desafio. Saí da sala de projeção uns 50 anos mais jovem.

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