Parábola temerosa

Parábola temerosa

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 As notícias mais inusitadas eu li, na última semana, no olímpico jornal O Globo. Uma delas dava conta de que o demo Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, considera caixa dois diferente de corrupção. Noutra, ficava-se sabendo que se articula em Brasília uma passada de borracha geral nos crimes dos partidos. Uma terceira notícia revelava que o governo de Michel Temer terá apenas cinco ministérios a menos do que os 39 de Dilma Rousseff. Onde andará o ministro gaúcho Osmar Terra, que bradava dia e noite contra o excesso de ministérios inúteis e dispendiosos? Onde foi parar o projeto de diminuir pela metade o número de pastas na esplanada?

Nos jornais o Brasil ficou sabendo que o aureolado juiz Sérgio Moro defende o uso de provas ilícitas contra qualquer um desde que os investigadores ajam de boa fé. Evidentemente que o critério da boa fé ficaria por conta do Ministério Público, da Polícia Federal e de Moro. Há no Brasil uma espécie de lei da delação: se o delator acusa o adversário de alguém, está provado que fala a verdade. Se entrega o amigo desse alguém, fica na obrigação de apresentar provas. Michel Temer vive na boca de delatores. Como promete acabar com a considerada arcaica legislação trabalhista, as delações não pegam.

Falando nisso, a informação mais escabrosa e, paradoxalmente, menos surpreendente apareceu na coluna do Lauro Jardim. É uma parábola: Eduardo Cunha teria mandado um emissário contar esta fábula a Michel Temer: “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios.... então, um virou presidente, três viraram ministros e o último foi abandonado... E que isso não vai ficar assim”. Essa ameaça, em tom de conto da carochinha, não espanta nem mesmo os antigos batedores de panelas contra a corrupção. Mas eles estão apaixonados por Temer. A resposta do presidente interino poderia, no entanto, despertá-los do sono mágico a que foram condenados por um feitiço: "Ele sabe que estou tentando ajudá-lo".

Nessa historinha para adulto acordar, esconde-se um fato de magnitude, algo difícil de não ser notado: o “abandonado”, o esquecido Cunha, colocou no colo do amigo nada mais nada menos do que a presidência da República. Cobra pelo que deu. Nenhum benfeitor aceita a ingratidão do beneficiado. Que negócios eles faziam? Nunca é demais lembrar que numa troca de mensagens com o empreiteiro Léo Pinheiro, Cunha reclamava que Temer levara os seus cinco milhões e ele ainda não havia recebido o seu quinhão no latifúndio das propinas. De que forma Temer está tentando ajudar o seu benfeitor e amigos de tantas viagens e negócios? Será que foi sugestão de Temer a ideia de Rodrigo Maia de marcar a sessão de cassação de Cunha para uma segunda-feira, dia em que historicamente não dá quórum no plenário da Câmara dos Deputados, ainda mais em período eleitoral? Claro que Eduardo Cunha negou ter feito qualquer ameaça ao amigo.

A notícia de semana, porém, foi a declaração do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que os homens se cuidam menos por trabalharem mais que as mulheres. Eis o elo perdido. O elemento que faltava para explicar o “machistério” de Michel Temer, esse que espanta o mundo.

 

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