Pesquisar para quê?

Pesquisar para quê?

Em Montpellier, debatemos pesquisa

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Estou em Montpellier para um colóquio. Tratamos de pesquisa.

A França é um país de investimento pesado em educação.

Falo da minha visão de pesquisa antes mesmo das mesas e conferências.

É bom estar num lugar onde a pesquisa é quase sagrada.

Sou professor há 25 anos. Adoro orientar trabalhos acadêmicos. Admiro o encantamento de muitos estudantes com a pesquisa. Escrevi um livro faz algum tempo sobre isso: “O que pesquisar quer dizer” (Sulina). Coloquei um subtítulo provocativo: “como fazer textos acadêmicos sem medo da ABNT e da Capes”. Agora, acrescentei, em nova edição, um capítulo: “Análise Discursiva de Imaginários”. De que trata? De como escolher um tema para pesquisa, como levantar dados, como organizá-los, como redigir o trabalho e como fazer a análise.

Meu novo capítulo começa assim: “A análise é um caminho e um modo de desvelamento. Se tudo fosse transparente, exposto à luz do conhecimento, não haveria necessidade de ciência. O saber é uma operação de desvendamento. Trata-se de iluminar o que está encoberto pelas sombras da ignorância, da familiaridade ou da falta de observação sistemática. Desvelar significa tirar o véu que cobre a verdade. Se muitas questões permanecem em litígio, há verdades que podem ser localizadas, descritas, enunciadas”. É uma profissão de fé.

Pesquisar deve dar prazer: “Esta é uma questão de princípio. Pesquisar quer dizer apostar no desvelamento como conhecimento. O pesquisador precisa ser movido pelo apelo da verdade. Mas o que é a verdade? O fato de que existam muitos pontos de vista e teorias significa que não há verdade? Dizer que não existe verdade afirma automaticamente uma proposição de verdade. Se o enunciador está certo, e não existe verdade, então ele está errado, pois acaba de formular uma verdade. A pluralidade não pode apagar o horizonte”. É simples.

O pesquisador de ciências humanas é um jornalista fazendo grandes reportagens investigativas e intelectuais de profundidade envolvendo apuração, interpretação, explicação e até opinião argumentada. Pode fazer citações, usar autores e seus livros como fontes, amparar-se em teorias, mas o essencial é o dado novo que colhe e interpreta. Todo material usado deve ser referenciado de maneira a ser facilmente encontrado por quem quiser checar os dados ou ir além. Trabalho acadêmico não precisa ser escrito de modo obscuro. Mas também não pode ser confundido com crônica. Tudo precisa ser argumentado, mostrado, demonstrado. É exercício de racionalidade argumentativa.

Uma tese não pode concorrer como filme num festival de cinema. Um filme não pode valer por uma tese. São campos diferentes. Não se pode jogar basquete com as regras do futebol. Nem o contrário. A cientificidade não está nas regrinhas formais de citação, que são importantes para facilitar o entendimento e a localização das fontes. O fundamental está no que é descoberto: “desocultado”, destapado, desencoberto, revelado, desvelado. Se, ao final, for difícil dizer o que foi descoberto, algo falhou. Não precisa ser a lei da gravidade.

Penso ter dado a minha pequena, mas útil, contribuição para quem deseja fazer um TCC, uma monografia, uma dissertação, uma tese. É um pequeno livro resultante de experiência prática e postura teórica. O pesquisador não pode duvidar da existência de fatos. Deve buscá-los. Não pode tampouco ignorar que fatos são interpretados diversamente.

 


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