Piketty, capital e ideologia

Piketty, capital e ideologia

Novo livro do economista francês sacode a poeira do sistema

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      O economista francês Thomas Piketty está de volta com novo livro: “Capital e ideologia” (Intrínseca). Para quem possa não lembrar, ele ficou famoso com o best-seller “O capital do século XXI”. Nesta nova obra, de mais de mil páginas, o pesquisador ataca a “ideologia dominante” que impede a taxação de grandes fortunas e os impostos progressivos. Piketty incomodou os liberais ao sustentar que a concentração de renda estava aumentando no mundo. Segundo ele, em entrevista a Fernando Canzian, a pandemia do coronavírus está obrigando países a rever conceitos sobre desigualdade: “Tanto a crise financeira de 2008 quanto a atual pandemia em 2020 poderiam nos ajudar a compreender que precisamos de um sistema econômico mais equilibrado, justo e sustentável do que o que temos tido nas últimas décadas”.

      Parece evidente. Quais são os obstáculos? A cultura econômica instalada: “A grande dificuldade é que o sistema econômico internacional possui uma ideologia dominante que ainda torna muito difícil a países como o Brasil ou a Índia, por exemplo, adotarem sistemas de taxação mais progressiva, que os torne menos desiguais e que possam financiar políticas sociais”. Esse tipo de afirmação provoca arrepios em muita gente. Se fosse feita por um leigo, receberia prontamente o selo usual: ignorância. Piketty, porém, pode ser chamado de tudo, menos de estranho à matéria. Os mais entusiastas sugerem que ele ainda vai levar para casa o “Nobel” de economia.

      Defensor de uma forte taxação da saída de dinheiro de um país para especulação em outros, Piketty alerta: “Construímos um direito sagrado que os indivíduos detêm de poderem se desenvolver usando toda a infraestrutura e o sistema educacional de seus países para depois, no clique de um botão, mandar seu dinheiro para outro lugar sem que nenhuma entidade administrativa possa fazer algo a respeito”. Nesta quarentena, “Capital e ideologia” podem ajudar a passar o tempo e a refletir sobre ideias prontas, fixas, feitas, aparentemente indiscutíveis. Capital precisa de regulação para não cair fora sem recompensar a estrutura que o alimentou: “O interessante dessas propostas nos Estados Unidos é que elas vieram acompanhadas de uma ‘taxa de saída’. Se alguém quiser tirar o dinheiro do país, teria de pagar um imposto de 40%. E isso é algo muito diferente da livre circulação de capital”. Pontos fora da curva que não fazem uma reta.

A esquerda também apanha. O professor da Escola de Economia de Paris criou uma categoria, “esquerda brâmane”, para fustigar uma casta que, em associação com a “direita comerciante”, resistiria a certas mudanças. Thomas Piketty escreve muito para fazer pensar bastante. Desenvolveu a arte de escapar da indiferença. Não se contenta em criticar. Apresenta caminhos e bifurcações: “Creio que a crise está empurrando o mundo mais para o lado dos que estão preocupados com o lado social e com a distribuição de renda”. Capital e ideologia: termos antigos para ideias que exalam algum frescor. Podem emplacar?

 

 


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