Podemos prever o futuro?

Podemos prever o futuro?

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 Eu acredito no poder dos livros mesmo quando sinto que a civilização da escrita está em declínio. Procuro tempo para procurar em obras diversas respostas capazes de me arrancar da perplexidade. Pego na estante “O advento da sociedade pós-industrial”, de Daniel Bell. É um tijolo de 540 páginas que li, certa vez, na praia. Bell destacou-se como professor na Universidade de Harvard. Um liberal. No sentido americano, um conservador. Ótimo livro para época de eleições. Abre com uma provocação: “Este é um ensaio de previsão social. Pode alguém, entretanto, predizer o futuro?” A resposta do famoso intelectual é paradoxalmente categórica: “Não”. O futuro não existe.

Como, então, seu livro é um “ensaio de previsão social”? Acontece que ele, como bom intelectual, introduziu uma distinção entre predição e previsão. A predição seria impossível. A previsão, não. Intelectuais amam palavras e parecem crer que elas modificam a realidade. Predizer seria, por exemplo, antecipar quem vai ganhar uma eleição. Prever, seguir regularidades e constâncias. Bell fez previsão – ou predição? – sobre o fim das ideologias. Seja qual for a palavra, todos queremos saber o que vai acontecer. Como será o Brasil amanhã?

O que as regularidades indicam? O que os elementos disponíveis permitem antever? Daniel Bell escreveu cristalinamente como era do seu estilo: “A previsão só é possível quando se pode supor um alto grau de racionalidade por parte dos homens que influenciam os acontecimentos – o reconhecimento dos custos e coerções, a aceitação geral ou a definição das regras do jogo, o acordo quanto as seguir as regras, o desejo de coerência”. Podemos fazer previsões? Cada um responderá conforme a sua ideologia. Opa! Segundo Bell, não há mais ideologias. Digamos, conforme suas visões de mundo. Palavras? Ou novas realidades?

Ele tratou de antecipar as perguntas dos leitores: “Que valor têm as previsões? Embora não possam predizer os resultados, elas são capazes de especificar as coerções, ou limites, dentro dos quais as decisões políticas se tornaram efetivas. Considerando-se o desejo que têm os homens de controlar sua história, isto representa claramente uma vantagem no sentido de uma autoconsciência social”. Talvez o meu leitor se impaciente: “Onde quer chegar com isso?” A minha resposta também é cristalina: ao futuro. Não existe? O inexistente preocupa.

Em outro livro, igualmente famoso e de grande vendagem, “O fim da ideologia”, Daniel Bell afirmou até para surpresa dos mais afoitos: “A questão do tipo de ética que se deve aceitar é crucial, porque o caráter distintivo da política moderna é o envolvimento de todos os estratos da sociedade nos movimentos de transformação social, em vez da aceitação fatalista dos acontecimentos, como nas sociedades feudais ou camponesas”. Estamos servidos? A sociedade inteira está participando do jogo. Da constituição das regras do jogo também? Parece que sim. É um sistema representativo. E o futuro? Bate à porta. O que trará? O fim das ideologias ou o retorno delas pela janela?

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