Poema contra o reacionário bem comportado

Poema contra o reacionário bem comportado

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Estou farto de ler no poeta

(e de ouvir da Patrícia)

A sua crítica ao burguês

que vive na absoluta surdez

a louvar o que não ouve.

De minha parte, estou farto

(um pouco mais e será meu parto)

do reacionário bem comportado

que perora na mídia contra os vândalos

E só ataca com ardor certos escândalos.

Estou farto dos homens responsáveis

que, defendendo a empregabilidade,

a sensatez e a tal da governabilidade,

dormem tranquilos em torres de vidro e aço

erguidas sob  escombros de pele e osso

com a pobreza esfolando até o pescoço.

Estou farto do grande empreiteiro,

do demagogo e do marqueteiro,

dos governos de coalizão,

dos governantes sem ação,

dos formadores de opinião,

dos senhores engravatados

comendo churrasco e sushi

e dirigindo seus camionetões.

Estou farto da política sem utopia

dos ideais cuidadosamente mesquinhos

e do projeto sem gozo nem emancipação.

Estou farto da novela das nove,

do futebol das dez e das horas vazias.

Por  não ter ido à marcha das vadias.

Estou farto!

Farto dos derivativos e dos mercados sem futuro

Farto da volta da inflação e dos saltos no escuro

Farto dos times jogando com três volantes

e dos livros silenciosos nas estantes,

dos discursos de bom senso dos especialistas

das teses dos sociólogos e dos economistas

dos ataques da polícia e do batalhão de choque

do gás de pimenta, balas de borracha e toque

Toque de encurralar na velhice do imaginário.

Estou farto dos que não saem do armário

e ainda cobram dos outros que durmam de touca.

Estou farto da retórica bem comportada

dos que aconselham a fazer o que não fazem

limitando-se solenemente a soltar gazes

enquanto trivialmente estouram champanhe.

Estou farto dos preços das passagens de ônibus,

das críticas ao bolsa-família e às cotas,

do escritor que fala do umbigo

e ganha prêmios como trigo

(um trigal simulando o ouro adornando uma bolsa de couro)

por ter sido obscuro como pão queimado.

Estou farto dos saudosos da ditadura

e dos corruptos que nunca levam uma dura.

Só o que me lava a alma são esses manifestantes

reclamando o possível em nome do impossível

e pondo de joelho os postes de cada governo.

Estou farto de mim.

De mim e do Alckmin.

De mim e do Haddad.

De mim e da falsidade.

Estou farto do reacionário bem comportado

que não deixa mudar o mundo por educação.

Não se mexe no que dá tão certo por estar errado.

Estou farto do antipetista fanático

que se acha não ideológico e fantástico

enquanto destila bílis e mesquinharia.

Estou farto dessa tola engenharia

que prega o fim de direita e esquerda

como um triunfo da sua ideologia.

Estou farto dos que tentam me cooptar

Enganar, embrulhar, adaptar, empalar.

Estar farto de ser isto e aquilo

como um almoço por quilo:

anteontem eu era de direita.

Ontem eu era petista.

Hoje, sou PSOL.

Amanhã estarei no formol?

Estou farto de reacionários fakes

e dos tantos fakes reacionários

Que me elogiam por conveniência

tentando ler o que eu não digo

quando só estou comendo um figo.

Estou farto de estar farto.

Estou farto dessa fartura.

Espero estar longe do infarto.

E perto de uma goiabada com queijo.

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