Poeminha (in)concreto da Lava Jato

Poeminha (in)concreto da Lava Jato

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lula-infoParece uma prova. Mas não é. Não passa de um slide de ensino fundamental.

Ferreira Gullar, poeta de esquerda, cronista de direita, fez no passado um limpo Poema Sujo.

Já a poesia concreta quebrou a linearidade do verso.

A Lava Jato inova e, no estilo gongórico tardio hiperespetacular do Ministério Público, quebra a linearidade da prova, que fica dispensada de existir ou de ser apresentada. Na época do parecer, denunciada por Guy Debord, não é mais preciso ser prova ou ter prova. Basta parecer que é uma prova. Prova lógica, ideológica, hiperlógica, fake.

De resto, o procurador Roberson Pozzobon confessou: "Não teremos aqui provas cabais de que Lula é efetivo proprietário no papel do apartamento. Justamente o fato de ele não configurar como proprietário do triplex, da cobertura em Guarujá, é uma forma de ocultação de dissimulação da verdadeira propriedade".

Traduzindo: a falta de prova contra Lula, ou a impossibilidade de apresentar essa prova, é a prova da sua culpa.

Aí o anti-Lula ataca: "Defendendo ladrão, hein!"

Defendendo a prova.

Um amigo jornalista disse: "A montanha pariu um rato".

Um amigo advogado completou: "Foi a formalização da boataria".

Até o direitista Reinaldo Azevedo refugou a adjetivação ideológica do MP.

O quadrinho aí acima tem uma origem: o aristotelicismo retomado pelos escolásticos.

Pomposo? É simples: todo efeito tem uma causa. Tudo é que movido precisa ter algo que o mova. Sendo assim, precisa existir um motor primeiro, um motor imóvel, aquele que tudo move sem precisar ser movido.

O motor imóvel é Deus.

O motor imóvel é Lula, colocado como centro do universo em torno do qual tudo gravita.

Dizia Aristóteles: "Há, ainda, aquilo que, sendo primeiro que tudo, move todas as coisas."

A Teoria do Domínio do Fato pressupõe o motor primeiro que tudo move e sem o qual não haveria movimento.

No caso, Lula é Deus, o princípio primeiro que tudo move e sem o qual não haveria movimento.

Um Deus corrompido.

No popular, nada acontece sem o chefe.

Qual a prova de que Lula é o chefe? O fato de ele ser o motor primeiro e ninguém poder ser a não ser Ele.

A prova de que Lula é o Chefe é o fato de ele ser chefe.

O chefe passa a ser sempre o culpado.

Aristóteles sustentava: "Dado que aquilo que é movido e propicia movimento é intermediário, há algo que propicia movimento sem ser movido, sendo uma essência e uma atividade eterna."

O imaginário popular exulta: ele não poderia não saber.

É lógico. Mas é verdadeiro?

Os sofistas queriam a prova da prova.

A Lava Jato contenta-se com a aparência de prova.

Atingirá o seu objetivo: Lula irá para a cadeia.

Acho que Lula tem culpa. Como quase todo mundo, acredito que ele está atolado em falcatruas.

Diferente de outros, sou um pós-moderno neopositivista: quero a prova. E a prova da prova.

Num país sério, procuradores que condenam com adjetivos, rótulos e confessam não ter provas seriam advertidos pelas instâncias superiores. No Brasil, que semeia tempestades ideológicas, o adjetivo toma o lugar da prova.

O estilo literário do MP não me encanta. Barroco demais. Saturado. Carnavalesco. Pirotécnico.

Desacredita o acusador por excesso de superlativos com mensagens ideológicas e associações embutidas: comandante supremo, etc. O pior analista de discurso percebe o truque: Lula, o socialista, o Fidel Castro brasileiro, o comunista corrupto, o mafioso de esquerda, etc. Poemeto sem concretude. Mensagem subliminar eficaz.

A mídia compra. E vende.

Depois desse powerpoint devastador ficou provado: a Lava Jato tem viés ideológico.

 

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