Poesia e estilo natural

Poesia e estilo natural

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Em A arte de escrever, Arthur Schopenhauer, faz uma crítica severa aos autores afetados e ocos. Segundo o filósofo, rabugento, mas nem por isso necessariamente equivocado, “todo escritor medíocre procura mascarar seu estilo próprio e natural”. O homem era cruel: “As cabeças banais simplesmente não podem se decidir a escrever do modo como pensam porque pressentem que, nesse caso, o resultado teria um aspecto muito simplório”. Não duvido. O velho ranzinza implicava até com leitores: “A leitura não passa de um substituto do pensamento próprio”. Uau!

Jorge Luis Borges, em Esse ofício do verso, também fala em algo semelhante: “Tivéssemos de dar conselhos aos escritores (e não acho que precisem, porque todos têm de descobrir as coisas por si mesmos), lhes diria simplesmente isso: pediria que mexessem o menos possível em se próprio trabalho. Não acho que remendos sejam de algum proveito. Chega uma hora em que a pessoa descobre o que é capaz de fazer – em que descobre a sua voz natural, o seu ritmo. Não acho que, nesse momento, ligeiras emendas se revelem úteis”. Eis um dos enigmas da poesia.

Eu me reconheço nos criticados por Schopenhauer. Jamais tive uma ideia própria. Tenho lido demais. Fico mais tranquilo quando me recolho. É verdade que esqueço tudo. Até o que eu mesmo escrevo. Ou principalmente. Enfio até o pescoço o chapéu jogado pelo provocador de As dores do mundo numa das suas melhores tiradas irônicas: “Como seriam eruditos alguns autores se soubessem tudo o que está em seus próprios livros”. Eu me contento em ser um homem de intervenções. Colocar bigodes na Mona Lisa já faria de mim um ser marcante. Infelizmente outro gênio chegou antes. Fico com outras releituras. Jogo as palavras para cima e as recolho quando caem. É um jogo.

 

Pós(-Drummond)

 

Não serei o poeta de um mundo novo

Tampouco serei o cantor do meu povo

 

Não falarei jamais algo sublime

Praticarei sempre o mesmo crime...

 

Farei poesia sem poesia

Romance sem personagem

Crônica sem pensar no dia

 

Descrição sem paisagem

Teatro sem maquiagem.

 

Nunca voltarei à antiguidade

Nem mesmo à velha modernidade

 

Ano depois de ano,

Rasgarei a fantasia

Em nome do cotidiano.

 

Sonharei com uma vida rude,

Sem metafísica nem ontologia

Experimentada no meio da rua

Como uma vagabunda mitologia

 

Não criarei novas imagens

Farei somente colagens

coleção de bolinhas de gude

 

Não exaltarei mulheres fatais

Nem lutarei contra a rima

Tampouco a colocarei acima

Dos meus esquálidos ideais.

 

Não verei das estrelas o brilho

Nem da noite a tensão elétrica

 

Não seguirei das vias o trilho

Para mim bastará ser o filho

 

Bastardo...

 

Deste tempo sem métrica

Cuja utopia é a ética

E a arte pós-estética.

 

Não farei das leituras

Álibi para as agruras

Do poeta agonizante

 

De um homem artificial

Colhendo rosas e dálias

No jardim das virtuálias

Serei essa voz natural

 

Num dia monótono e breve

Das redes sociais em greve

Serei a derradeira conexão

 

Pássaro no rastro da tarde.

































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