Poesia e estilo natural
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Jorge Luis Borges, em Esse ofício do verso, também fala em algo semelhante: “Tivéssemos de dar conselhos aos escritores (e não acho que precisem, porque todos têm de descobrir as coisas por si mesmos), lhes diria simplesmente isso: pediria que mexessem o menos possível em se próprio trabalho. Não acho que remendos sejam de algum proveito. Chega uma hora em que a pessoa descobre o que é capaz de fazer – em que descobre a sua voz natural, o seu ritmo. Não acho que, nesse momento, ligeiras emendas se revelem úteis”. Eis um dos enigmas da poesia.
Eu me reconheço nos criticados por Schopenhauer. Jamais tive uma ideia própria. Tenho lido demais. Fico mais tranquilo quando me recolho. É verdade que esqueço tudo. Até o que eu mesmo escrevo. Ou principalmente. Enfio até o pescoço o chapéu jogado pelo provocador de As dores do mundo numa das suas melhores tiradas irônicas: “Como seriam eruditos alguns autores se soubessem tudo o que está em seus próprios livros”. Eu me contento em ser um homem de intervenções. Colocar bigodes na Mona Lisa já faria de mim um ser marcante. Infelizmente outro gênio chegou antes. Fico com outras releituras. Jogo as palavras para cima e as recolho quando caem. É um jogo.
Pós(-Drummond)
Não serei o poeta de um mundo novo
Tampouco serei o cantor do meu povo
Não falarei jamais algo sublime
Praticarei sempre o mesmo crime...
Farei poesia sem poesia
Romance sem personagem
Crônica sem pensar no dia
Descrição sem paisagem
Teatro sem maquiagem.
Nunca voltarei à antiguidade
Nem mesmo à velha modernidade
Ano depois de ano,
Rasgarei a fantasia
Em nome do cotidiano.
Sonharei com uma vida rude,
Sem metafísica nem ontologia
Experimentada no meio da rua
Como uma vagabunda mitologia
Não criarei novas imagens
Farei somente colagens
coleção de bolinhas de gude
Não exaltarei mulheres fatais
Nem lutarei contra a rima
Tampouco a colocarei acima
Dos meus esquálidos ideais.
Não verei das estrelas o brilho
Nem da noite a tensão elétrica
Não seguirei das vias o trilho
Para mim bastará ser o filho
Bastardo...
Deste tempo sem métrica
Cuja utopia é a ética
E a arte pós-estética.
Não farei das leituras
Álibi para as agruras
Do poeta agonizante
De um homem artificial
Colhendo rosas e dálias
No jardim das virtuálias
Serei essa voz natural
Num dia monótono e breve
Das redes sociais em greve
Serei a derradeira conexão
Pássaro no rastro da tarde.
Enviado do meu iPhone